Virtual Archive of the Orpheu Generation

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Fernando Pessoa - Literary Theory

This digital edition of texts by Fernando Pessoa deals with the set of poetic theorizing writings from hisArchive and brings together essays, comments, notes, sketches and fragments about literature from the Portuguese author. The documents transcribed are in Fernando Pessoa’s Archive in the custody of the National Library of Portugal, with quota E3. All facsimiles are accompanied by a critical lesson and a paleographic transcription, which is available for download in the “PDF” field.

 

 

Medium
Fernando Pessoa
BNP-E3, 88 – 38, 40
BNP-E3, 88 – 38, 40
Fernando Pessoa
Identificação
[Rascunho de "Movimento Sensacionista"]

[BNP/E3, 88 – 38, 40]

 

Apesar de a sua tarefa ser a da reconstrução da literatura e da mentalidade nacionais, o Movimento Sensacionista vai dia a dia ganhando força, abrindo caminho, florindo em novos adeptos e sensibilidades acordadas. Vai sendo tal o seu êxito que dir-se-ia tratar-se, não de uma obra alevantada e útil, mas de qualquer blague ignóbil[1] como um partido político ou um centro escolar, ou qualquer outro bacilo social que tire vida da triste condição da natureza humana. Mas, felizmente, ninguém poderá confundir o Sensacionismo com qualquer desses divertimentos normais. O escândalo, que se ergueu em torno a Orpheu, o glorioso |órgão| dos sensacionistas, marcou bem na consciência dos entendedores a seu {…}

 

O carácter manifestamente anormal dos sensacionistas, o incompreensível das suas ideias aos feirantes da inteligência, o consequente escândalo que encheu de carinho e admiração por si-próprios os colaboradores de Orpheu, (quorum pars magna fui literalmente) – tudo isto serviu bem para distanciar a olhos videntes os autores do movimento sensacionista de quantas criaturas fazem vida mental pelo agradar aos outros, e pelo serem úteis aos semelhantes.

Este triunfo – porque desagradar é triunfar – não foi, por certo, devido à intensidade da propaganda. Nenhuma propaganda se tem feito. Uma sensibilidade aristocrática não desce a explicar-se.

 

[38v]

 

Em torno aos espíritos espontaneamente dirigentes do sensacionismo, numerosos espíritos nuclearam, e se continuam nucleando. É uma necessidade da hora da Raça, que sente necessário realizar Cosmópolis em si – assim, mesmo neste triste Marrocos, nesta Gibraltar de si-próprio.

 

Servem estas palavras de introdução à crítica, que vamos fazer, das duas plaquetes sensacionistas cujos títulos encimam[2] este artigo.

 

[40r]

 

A breve e magistral colheita de sonetos, que o sr. Pedro de Menezes fez para o seu público, marca bem a individualidade definida, que ele tem a dentro do Sensacionismo. A exuberância abstracto-concreta das imagens, a riqueza da sugestão na associação delas, a profunda intuição metafísica que socleia tanto os versos culminantes dos sonetos desta plaquete, como, frequentemente, a direcção |anímica| de {…} – tantas são algumas das razões que um espírito esclarecido e europeu encontra para admirar e amar o Elogio da Paisagem. Como esta crítica não é feita para analfabetos, é inútil detalhar mais que, no lance, nada adiantaria[3]. Basta que se aponte como são belos – acima dos outros, que são todos belos – os sonetos III (1º), V, XIII (1º) e, mais do que todos, o assombroso “Horas Mortas”, que não conseguimos não transcrever.

 

Convém não omitir que o Sr. Pedro de Menezes junta às suas grandes qualidades dois defeitos, que, não as empanando[4], certo é que não deixam que elas tenham o relevo a que tem jus. O primeiro defeito é uma certa deficiência – por vezes acentuadamente notável – da musicalidade e sugestão puramente silábica, de sedução rítmica pura. Os seus versos têm, frequente, elementos de dureza e rectilineidade. No próprio grande soneto, que se citou, esta deficiência se revela.

O seu outro defeito menos frequente e onde está, em geral, menos sensível. É que, por vezes, esquece as leis, não só exotéricas, mas esotéricas também, de associação de ideias desconexas e justapõe imagens que, sendo, quase sempre, cada uma delas bela, não se fundem em beleza, não se sintetizam sugestivamente no espírito. E é nestes pontos raros que a fraqueza rítmica, associando-se a ess’outra falha, consegue que a beleza escasseie no efeito prático que resulta.

 

 

[1] blague ignóbil /baixa blague\

[2] encimam /encabeçam\

[3] mais que, no lance, nada adiantaria /ou fazer citações\

[4] não as empanando /chegando a empaná-las\

Rascunho do testemunho impresso publicado por Fernando Pessoa com o título: «Movimento Sensacionista», in Exílio, nº 1, Lisboa, Abril de 1916, pp. 46-48.

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/2284
Classificação
Literatura
Sensacionismo
Dados Físicos
Dados de produção
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Documentação Associada
Fernando Pessoa, Sensacionismo e Outros Ismos, edição de Jerónimo Pizarro, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2009, pp. 200-202.