A conferência é um género ligado ao processo da modernidade. As Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, em 1871, são decisivas no combate pós-romântico português. Mais tarde, o grupo de Orpheu, sob a influência da Vanguarda e, sobretudo, dos manifestos futuristas italianos, usa a conferência como modo de intensificar uma relação directa com o público. Assim, propõe-se realizar em 1915 «uma longa série de conferências de afirmação», anunciando quatro no n.º 2 da revista, entre as quais duas explicitamente futuristas, as de Santa Rita Pintor e Raul Leal, e outras duas: de Manuel Jardim sobre «arte e heráldica» e de Sá-Carneiro sobre «esfinges e guindastes».
Em 1917 tem lugar a Conferência Futurista no Teatro República, hoje S. Luís, em Lisboa, no momento em que Apollinaire realiza em Paris a importante conferência L’Esprit Nouveau et les Poètes. António Ferro faz também em 1917 a sua primeira conferência, As Grandes Trágicas do Silêncio, que é sobre três estrelas do cinema mudo, e, no princípio dos anos 20, publica em Portugal e no Brasil o manifesto Nós, e realiza e publica algumas conferências que se parecem, no seu tom e formato, com as de Almada dessa mesma altura, sobretudo A Arte de Bem Morrer e A Idade do Jazz-Band – esta última tendo no final das suas três partes, e segundo uma nota na sua publicação em livro em 1924, a actuação musical ao vivo de uma orquestra de jazz. Do mesmo modo, é uma conferência de António Ferro que apresenta a conferência de Almada A Invenção do Dia Claro, em 1921, com o título José de Almada Negreiros: o Imaginário na Terra de Cegos. Mais tarde, há conferências marcantes em momentos sucessivos. Na presença, por exemplo João Gaspar Simões, de quem um muito interessante texto crítico é uma conferência em defesa do pintor Julio, Deformação, Génese de toda a Arte, realizada na SNBA em 1935.
No entanto, é em Almada Negreiros que a conferência ganha um papel decisivo, podendo dizer-se que nele surge como um género singular. De facto, devendo ser proferidas publicamente, as conferências – tal como os manifestos – são, ao mesmo tempo, performances e literatura. Em 1921, por exemplo, há a conferência A Invenção do Dia Claro, publicada em livro pela Olisipo de Pessoa. Em 1924, Pierrot e Arlequim, Personagens de Teatro, que constitui excepção por não ter chegado a ser proferida. Estas duas grandes conferências constituem duas colagens líricas, ensaísticas, dramáticas e ficcionais que não têm par na restante produção da época, e que são, além de sínteses entre a palavra escrita e a acção teatral, verdadeiras tentativas de síntese entre todas as possibilidades da mimese literária, num projecto de arte total que realiza uma das utopias vanguardistas. Almada Negreiros desenvolverá a forma conferência até ao fim da sua vida, mas de forma especialmente notável na década de trinta, desde Direcção Única (1932) até Desenhos Animados Realidade Imaginada (1938), passando por Arte e Artistas e Embaixadores Desconhecidos (1933), Cuidado com a Pintura! (1934), Elogio da Ingenuidade ou as Desventuras da Esperteza Saloia (1936).
BIBL.: Almada Negreiros, Manifestos e Conferências, Lisboa, Assírio & Alvim, 2006
Fernando Cabral Martins