Título convencional atribuído pela organizadora e editora literária, Maria Aliete Galhoz (M.A.G.) ao acervo de “ruba’is” (quartetos) criativos de Fernando Pessoa na esteira de Omar Khayyam (ver) seguindo a estrutura e jogo de rimas optados pelo tradutor, “em verso inglês”, Edward FitzGerald (1801-1883) do Ruba’iyat (ver) omariano. FitzGerald “traduziu” a partir do manuscrito persa de 1460 (era cristã) presente na biblioteca Bodleiana de Oxford. A primeira chamada de atenção para esta modalidade poemática em Fernando Pessoa foi a comunicação do Prof. Alexandrino Severino (1931-1993), “Rubaiyat, um poema desconhecido de Fernando Pessoa”, no I Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, no Porto, em 1978 (em Actas, Porto, Brasília Editora / Centro de Estudos Pessoanos, 1979, pp 45-57). M.A.G. apresenta um segundo contributo com a comunicação “Canções de Beber na obra de Fernando Pessoa: rubai e rubaiyat na poesia ortónima”, no III Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, em Lisboa, em 1985. (Não foram publicadas “actas”.) Mantendo o mesmo título, “Canções de Beber na obra de Fernando Pessoa: rubai e rubaiyat na poesia ortónima”, colaborou M.A.G., pelo centenário do nascimento de Fernando Pessoa, com um estudo saído na Revista da Biblioteca Nacional (Série 2ª, vol. 3º, nº 3, Dezembro de 1988, pp 13-24). Esse estudo levanta o primeiro rastreio de “ruba’iyat” saídos, sem tal identificação, nos volumes publicados pela Ática, de poesia ortónima (Poesias inéditas: 1919-1930, 1ª ed. 1956; Poesias inéditas: 1930-1935, 1ª ed. 1955; Novas Poesias inéditas, 1º ed. 1973) e na Obra Poética de Fernando Pessoa, 2ª edição (José Aguilar Editor, Rio de Janeiro, 1965) – na listagem são acrescentadas as respectivas cotas dos documentos originais, presentes no espólio de Fernando Pessoa na Biblioteca Nacional. Também, nesse estudo, M.A.G. inclui o apontamento dos “ruba’is” inéditos por si pesquisados até aquela data, 1988, (dá-se conta, pelas respectivas cotas, de “ruba’is” escritos em 24 documentos do espólio), insere uma primeira bibliografia atinente e publica a leitura dos “ruba’is”, inéditos, em E3/61A-13, E3/61A-22, E3/66-50 e E3/66-30 (aqui com um erro na leitura do 3º verso: lê-se “Não quero amor nem ódio, nem que mo digam.” e a correcção é “Não quero amor nem ódio, nem quem o diga.”). Uma terceira contribuição, alargando a informação sobre “ruba’iyat” de Omar Khayyam e o caso de Fernando Pessoa, isto é, a sua retoma de escrita de “ruba’iyat” e o seu mantido projecto de tradução de “ruba’iyat” omariano (ver “Ruba’iyat”) é o artigo de M.A.G. “Ruba’iyat: de Omar Khayyam transposto «em verso inglês» por FitzGerald à experimentação, em português, de Fernando Pessoa” (em revista Tabacaria, nº 2, Inverno de 1996, Casa Fernando Pessoa / Contexto Editora, Lisboa, pp 35-40). Aí se faz um memorial do exemplar, da biblioteca pessoal de Fernando Pessoa, existente na Casa Fernando Pessoa, das traduções de FitzGerald (Rubaiyat of Omar Khayyam rendered into english verse by Edward FitzGerald) na edição, em um só volume, da Tauchnitz, de Leipzig, na colecção de “British and American Authors”. (Esta colecção estava estritamente condicionada ao mercado livreiro da Europa continental.) O “copyright” deste título é de 1910, conheceu numerosíssimas reimpressões e reedições, e o exemplar que Fernando Pessoa possuía não pode ser anterior a Março de 1928. Desse exemplar, o artigo em referência dá conta do seu uso por Fernando Pessoa: há (no “Prefácio” de FitzGerald a cada uma das suas quatro edições) sublinhados e por muitos dos brancos das páginas, manuscritos a lápis, “ruba’is” criativos e tentativas de tradução, sobretudo concentradas na 4ª edição (a de 1879). Igualmente, ainda em fase de pesquisa em progresso, em 1996, se dá uma amostragem dessa intervenção manuscrita de Fernando Pessoa (um “ruba’iyat” criativo e alguns “ruba’is” traduzidos). Estes dois trabalhos de M.A.G., particularmente o de 1988, foram objecto de uma crítica desconstrucionista, muito dura, de um Professor universitário brasileiro (então em trânsito de Doutoramento em “Portuguese and Brazilian Studies” na Brawn University, USA) num ensaio publicado no nº 5, Inverno de 1997, de Tabacaria: Marcus Vinicius de Freitas, “Um Rubai de Ricardo Reis, ou apontamento para uma biografia intelectual de Fernando Pessoa” (pp 39-46). O artigo/estudo de M.A.G. publicado na Revista da Biblioteca Nacional, em 1988, veio a proporcionar um guia de pesquisa e de textos para uma dissertação de Doutoramento na Universidade Estadual de São Paulo, orientada pela Prof.ª Maria Helena Nery Garcez, de obra incontornável nos estudos pessoanos (Alberto Caeiro / Descobridor da Natureza, Porto, 1985; Trilhas em Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, São Paulo, 1989 e O Tabuleiro Antigo: Uma leitura do heterónimo Ricardo Reis, São Paulo, 1990). Na “Apresentação” à dissertação publicada de Márcia Manir Miguel Feitosa (Fernando Pessoa e Omar Khayyam: O Ruba’iyat na Poesia Portuguesa do Século XX, Editora Giordano, São Paulo, 1998) refere o seu alerta “para o facto de que o epicurismo das Odes do heterónimo neoclássico não deveria ser visto apenas nas suas origens greco-latinas mas que deveríamos ter em conta que ele também passava por Omar Khayyam” (p. 14). A dissertação de Márcia Manir Miguel Feitosa é, quanto se sabe, o primeiro trabalho académico longo que debate a relação Fernando Pessoa – Omar Khayyam, debruçando-se sobre a temática e a estruturação formal da composição poemática através do “ruba’i”. Em 1997 saiu, da responsabilidade, como “editora literária”, de M.A.G., uma colecção de “ruba’i” e “ruba’iyat”, criativos, de Fernando Pessoa, pesquisados, até 1990, no seu espólio presente na Biblioteca Nacional. O original preparado fora entregue em 1990 e vicissitudes editoriais protelaram a efectivação da edição até finais de 1997: Canções de Beber na obra de Fernando Pessoa, fixação do texto, organização, prefácio e bibliografia de Maria Aliete Galhoz, pinturas de Eurico Gonçalves, texto sobre Omar Khayyam e tradução de alguns “rubai” por Halima Naimova, Lisboa, Tiragem Limitada – Edições de Arte, 1997. Incluía 142 quartetos (“ruba’is”) e 2, de formulação aproximada, erradamente lidos como “ruba’iyat”. Esta edição, patrocinada com objectivo de oferta privada, só parte dela entrou no mercado livreiro e se esgotou. Uma edição corrente, firmada na continuação de pesquisa, veio a público em 2003, na Assírio & Alvim, na colecção “Páginas de Fernando Pessoa”: Fernando Pessoa, Canções de Beber – Ruba’iyat na obra de Fernando Pessoa, edição e prefácio de Maria Aliete Galhoz, nota de Halima Mainova, Assírio & Alvim, Lisboa, 2003. Contém 182 quartetos (“ruba’is” criativos escritos por Fernando Pessoa em 49 documentos do seu espólio na Biblioteca Nacional e em 13 espaços brancos do seu exemplar, num só volume, das 4 edições de Ruba’iyat de Omar Khayyam na versão inglesa de FitzGerald, na edição da Tauchnitz). O “corpus” a sair como volume (ruba’i e ruba’iyat) na Edição Crítica de Fernando Pessoa, coordenador Ivo Castro, pela Imprensa Nacional - Casa da Moeda, conta 180 quartetos criativos e, em “apêndice”, 30 quartetos traduzidos das versões, em inglês, de FitzGerald. Da edição de 2003 um ruba’i criativo paradigmático do “topos” do vinho, tão recorrente na temática do “ruba’i”, como também o motivo das rosas:

61B-66r Troca por vinho o amor que não terás.

O que ‘speras, perene o ‘sperarás.

O que bebes, tu bebes. Olha as rosas.

Morto, que rosas é que cheirarás?

Tradução do “ruba’i” LXX da versão de FitzGerald, 1ª edição (1859):

Já muitas vezes jurei de me emendar,

Mas não ‘staria eu bêbado ao jurar?

Mas vinha a Primavera, vinham rosas,

E emenda e jura se esvaíam no ar.

(Indeed, indeed. Repentance oft before

I swore – but was I sober when I swore?

And then came Spring and Rose-in-hand

My thread-bare Penitence apieces tore.)

 

 

Márcia Manir Miguel Feitosa, “Fernando Pessoa leitor do Ruba’iyat (Repercussão nas poesias inéditas do ortónimo)” em Estudos Portugueses e Africanos , 1º semestre de 1997, nº 29, da Unicamp, pp 5-94;

José Augusto Seabra. “Canções de Beber: de Omar Khayyam a Pessoa”, O Primeiro de Janeiro,10-3-2003, “Artes/Letras”, p. 3;

Jerónimo Pizarro Jaramillo, “Los Robaiyat de Fernando Pessoa: Antología de un libro inconcluso”, Românica, Faculdade de Letras da UL, nº 12, 2003.

 

 

Maria Aliete Galhoz