A Contemporânea publica-se pela primeira vez em Maio de 1915, em Lisboa, sob a direcção literária de João Correia d’Oliveira e direcção artística de José Pacheco. Apresenta-se, «ainda que incompleta e imperfeita», como «a incarnação de uma aspiração de Arte e de Elegância (…) engenhada e realizada por um punhado de artistas moços» e «endereça-se a todas as curiosidades cultas, cuja sede adivinha». Pretende esta nova revista colmatar «a falta de uma grande Ilustração, que a nós próprios e aos Estrangeiros revele o que dentro de Portugal existe de belo, como criação de espírito, obra d’arte ou encanto da natureza». Este primeiro ensaio da Contemporânea caracteriza-se pelo seu apuro gráfico, ainda próximo de uma estética fim de século mas já com laivos modernistas – graças à colaboração plástica de Almada Negreiros (autor da capa), Jorge Barradas, Eduardo Viana, Carlos Franco e José Pacheco – e pelo seu eclectismo, com páginas dedicadas à arte, à literatura, ao teatro, ao desporto, à moda, à sociedade, etc. A nova revista, que neste número publica textos de António Sardinha, Agostinho de Campos, Maria Amália Vaz de Carvalho, António Correia d’Oliveira ou Teixeira de Queiroz, propõe, como próximos colaboradores, nomes como os de Antero de Figueiredo, Conde de Sabugosa, Eugénio de Castro, Guerra Junqueiro, Júlio Brandão, Júlio Dantas, Ramalho Ortigão, Raul Brandão e Teixeira de Pascoaes. Nascida na época de Orpheu, cujo primeiro número sai em Março de 1915, esta Contemporânea pouco ou nada tem a ver com a revista fundadora do modernismo (a não ser, por intermédio de Almada e José Pacheco, ambos representados em Orpheu 1).

A Contemporânea, de que saíra apenas o número espécimen, reaparece em Maio de 1922, com o subtítulo de Grande Revista Mensal, sob a direcção de José Pacheco e, até ao número 6, sob a responsabilidade editorial de Agostinho Fernandes. Publica-se sem sobressaltos até ao nono número, de Março de 1923, sempre sob a tutela de Pacheco e, a partir do sexto número, editada pela «Sociedade de Edições Contemporânea». Em 1924 aparece, isolado, o número 10 (editado e dirigido por Pacheco e apresentando Ruy Vaz e António Ferro como directores artístico e literário), e em Março de 1925, em formato de jornal, vem a lume o 1.º suplemento. Nos meses de Maio, Junho e Julho/Outubro de 1926 publicam-se os três últimos números da revista (tendo sido projectado outro, de que nos ficaram as provas tipográficas), dirigidos por Pacheco e editados por Gil Vaz, de formato diferente, menos cuidados do ponto de vista gráfico, e apresentando os subtítulos de Portugal, Ibero-Americanismo, Arte (n.º 11) e Portugal, Brasil, Ibero-Americanismo, Arte (n.ºs 12-13). Os números 3, 4 e 5 (de Julho, Outubro e Novembro de 1922), e os números 11 e 12 (de Maio e Junho de 1926), são acompanhados de um suplemento, intitulado «Contemporânea Jornal», onde figura, como subtítulo, resumo do programa da revista, a célebre intenção – «Revista feita expressamente para gente civilizada / revista feita expressamente para civilizar gente» – frase que, segundo António Braz de Oliveira, poderá ser atribuída a Pessoa.

A «nova» Contemporânea, elo de ligação entre o Primeiro e o Segundo Modernismos (entre Orpheu e a presença), retoma, de certa forma, assumindo porém agora um grafismo inovador e excepcionalmente moderno, o eclectismo do seu número espécimen: quer pela diversidade dos temas abordados nas suas páginas (arte, literatura, teatro, música, desporto, política, técnica) e dos múltiplos eventos que organiza no âmbito da intervenção cultural (banquetes, exposições, concertos, conferências, serões de arte, e a criação de uma «Universidade Nova»); quer pela colaboração artística e literária de autores de variadas tendências, modernistas e outras. A revista dirigida por José Pacheco promove, assim, a realização do II Salão de Outono; as exposições de Carlos Porfírio, de Eduardo Viana e do pintor espanhol Daniel Vázquez Díaz; conferências de António Ferro e de António Botto (respectivamente, A Arte de Bem Morrer e Os Nossos Poetas de Hoje); mas também, as exposições de Telles Machado e de Eduardo Malta; uma conferência sobre A Música na Itália nos Séculos XV a XVI ou outra ainda, de Gaspar de Carvalho, sobre A Arte Moderna… Com colaboração gráfica (ilustrações, vinhetas e capas) de Almada Negreiros, Stuart Carvalhais, António Soares e José Pacheco, a Contemporânea reproduz, em hors-texte, obras de Almada, Amadeo de Souza-Cardoso, Eduardo Viana, António Soares, Jorge Barradas, Milly Possoz, Albert Jourdain, Manoel Jardim, Dordio Gomes, Bernardo Marques, Diogo de Macedo, Ernesto do Canto ou Francisco Franco, mas também, de António Carneiro, Columbano, João Vaz, Simão da Veiga ou de El Rei D. Carlos. Quanto aos seus colaboradores literários, aparecem, junto aos nomes de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos, Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro, António Botto, Raul Leal, Judith Teixeira, António Ferro, Luis de Montalvor, ou António Patrício, os de Afonso Lopes Vieira, Eugénio de Castro, António Sardinha, João Ameal, Martinho Nobre de Melo, Homem Cristo Filho, Aquilino Ribeiro ou André Brun. A falta de coerência e de vocação grupal que a revista de Pacheco denota é claramente apontada. Por um lado, pela Revista Portuguesa que, fundada em 1923 por Victor Falcão, paralelamente se publica: «A Contemporânea é o mais belo esforço que em Portugal se tem feito para fundar um esplêndido e moderno magazine; Lá fora não há melhor (…) nenhuma revista estrangeira (…) é tão primorosa sob o ponto de vista gráfico. (…) Simplesmente – e é nisto que está a nossa discordância – predomina em a Contemporânea um tal ou qual eclectismo que a prejudica várias vezes» (14/7/23). E por outro lado, por dois dos seus principais colaboradores: Almada Negreiros e Fernando Pessoa. Num texto intitulado Os Pioneiros (Outubro de 1934), Almada dirá que, depois de Orpheu e de Portugal Futurista, e no âmbito das publicações modernistas, surge «ainda a Contemporânea»,  mas que esta, «já defendida materialmente», «teria na verdade maior duração do que teve se não tivesse sido desvirtuado o sentido do grupo [de Orpheu] nas suas próprias páginas! Generosas intenções? Imprevidentes fraquezas». Fernando Pessoa, em carta dirigida a Armando Cortes-Rodrigues (4/8/1923), afirmaria: «Tanta saudade – cada vez mais tanta! – daqueles tempos antigos do Orpheu, do paulismo, das intersecções e de tudo mais que passou! Você não imagina, apesar da enorme influência que ficou do Orpheu […] diminuído, moral e intelectualmente […] tudo. / Você tem visto a Contemporânea. É, de certo modo, a sucessora do Orpheu. Mas que diferença! que diferença! Uma ou outra coisa relembra esse passado; o resto, o conjunto…» (CII 16). Já num texto assinado por Álvaro de Campos, e publicado na própria Contemporânea em Outubro de 1922, o poeta, escrevendo a José Pacheco «para o felicitar», tinha vagamente aflorado a questão: «De si e de sua revista, tenho saudades do nosso Orpheu. V. continua subrepticiamente, e ainda bem. Estamos, afinal, todos no mesmo lugar. Parece que variamos só com a oscilação de quem se equilibra. Repito-lhe que o felicito. Julgava difícil fazer tanto bem aos olhos em Portugal com uma coisa impressa. Julgo bom que julgasse mal. Auguro à Contemporânea o futuro que lhe desejo» (C 186).

Embora os pressupostos estéticos e intelectuais que animam a Contemporânea nos apareçam difusos, a revista de José Pacheco reveste-se, sem dúvida, de uma importância fundamental no quadro da cultura portuguesa dos anos 20: divulgadora que foi de algumas das principais figuras do nosso primeiro modernismo, mas também, da arte e da literatura internacionais, e em particular, do Brasil e de Espanha, tendo grandemente contribuído para a promoção das ideias iberistas entre nós. A revista – que, como vimos, adoptaria a partir da sua terceira série o subtítulo de «Portugal, Ibero-Americanismo, Arte» (ou «Portugal, Brasil, Ibero-Americanismo, Arte») – apresenta uma vasta colaboração de autores ligados à modernidade espanhola: Corpus Barga, Rogelio Buendía, Ramón Gómez de la Serna, José Francés, Adriano del Valle; a colaboração de dois representantes da vanguarda plástica do país vizinho, do pintor Daniel Vázquez Díaz e da escultora Eva Aggerholm; e evoca ainda, mediante um retrato desenhado por Almada, a figura do pianista espanhol Tomás Terán. Do Brasil, A Contemporânea oferece-nos colaboração plástica de Tarsila do Amaral, cuja obra é revista num artigo de António Ferro, e de Paim; publica uma «Carta Aberta de Oswald de Andrade a António Ferro Sobre a Arte e a Literatura Novas no Brasil» e, do mesmo poeta, «O Barracão dos Romeiros»; e uma nota da passagem por Lisboa de Olívia Penteado, mecenas dos pintores modernistas brasileiros. No âmbito artístico internacional, lembremos ainda a colaboração de F. T. Marinetti, com «Le Contrat par Marinetti-Futuriste», o artigo de Veiga Simões sobre a pintora russa Xenia Bogouslavskaia (mulher de Ivan Puni), e o texto de Ema Santos Fonseca sobre «Erik Satie e os Seis».

De Fernando Pessoa, a Contemporânea publica: O Banqueiro Anarquista (1); «António Botto e o Ideal Estético em Portugal» (3); Mar Português (4); Natal (6); Trois Chansons Mortes (7); «Carta ao autor de Sáchá» (8); Spell (9); O Menino da Sua Mãe (11); Rubaiyat (13); apresentando, no número que nunca chegou a sair, D. Sebastião. Álvaro de Campos aparece representado nas páginas da revista com: «De Newcastle-on-Tyne Álvaro de Campos escreve à Contemporânea» (4); Soneto Já Antigo (6); Lisbon Revisited (1923) (8); Lisbon Revisited (1926) (12); e, no número previsto e não publicado, com o poema Quasi.

 

FRANÇA, José-Augusto, «Nota sobre a Contemporânea», in: Sema, n.º 3, Outono de 1979; OLIVEIRA, António Braz de, PIRES, Daniel, Pacheko, Almada e a Contemporânea, Lisboa, Centro Nacional de Cultura – Bertrand Editora, 1993; Contemporânea (edição fac-similada), Lisboa, Contexto Editora, 1984-1992.

 

Sara Afonso Ferreira