Com o subtítulo “Revista coimbrã, artes e letras”, Bysancio surgiu em Março de 1923, por iniciativa de um grupo de estudantes, e contou com seis números, até Janeiro de 1924. Do grupo directivo faziam parte Alberto Martins de Carvalho, Alberto Simões Pereira, Alexandre de Aragão, Fausto dos Santos, João de Almeida, João Lumbrales e Luís Veiga. A revista, propriedade do 3º ano jurídico, era em grande parte sustentada pela publicidade (anúncios de seguros, lanifícios, sapatarias, fotógrafos, livrarias, máquinas de escrever, etc.), sendo mesmo indicados os preços dos réclames em quarto de página: 12$50 por mês, 10$00 para anúncios permanentes. Uma assinatura de seis números custava inicialmente 6$00 e os organizadores apelavam à “benevolência e simpatia” dos leitores, solicitando o pagamento adiantado da assinatura, “porque só com esse auxílio se conta”.
Bysancio situa-se numa linha de tradição – essa ordem que Agostinho de Campos defendia para as letras portuguesas, quando em 1924 criticava ferozmente os “meninos traquinas e um ou outro palhaço, a brincar com coisas sérias”, saídos da aventura de Orpheu, e do mesmo passo o “super-realismo francês do Sr. André Breton” – e nela confluem influências e trilhos literários diversos. Destaque-se, em primeiro lugar, a influência de João de Deus, com o seu lirismo amoroso e elegíaco, tematicamente circunscrito mas muito variado em matéria rítmica, métrica e estrófica; e, dum modo geral, um lirismo ao gosto tradicional e popular, comum a várias outras publicações das duas primeiras décadas do século XX, e aqui patente em poemas de António de Sousa e de Ângelo César com títulos como “As Janeiras”, “As Andorinhas”, “Maria” e “Quadras”. Outra tendência determinante em Bysancio é a evocação do mundo rural como tópico nuclear da nossa tradição literária. A influência de Aquilino (que publicara Terras do Demo em 1919 e o volume Estrada de Santiago, incluindo O Malhadinhas, em 1922) é bem visível, a nível de temas e de linguagem, em textos como “O homem que sonhou” (n.º 1) ou “Fala sobre uma aldeia” (n.º 5). Em terceiro lugar, percorre a revista uma linha de espiritualidade e mistério, que os organizadores contrapõem a “este nosso século desvairado de incertezas e nevroses”, linha essa que traz ainda as marcas do Decadentismo e do Simbolismo, com o fascínio pelo Oriente, pelos cenários exóticos e pela evasão, e também com o culto da Beleza, da voluptuosidade e da fantasia, o gosto do vago, as abstracções grafadas com maiúscula, certas figurações da mulher e do desejo carnal (cf. “A Hetaira”, no n.º 1, revelando a influência da Thais de Anatole France), etc. Bysancio assume, assim, uma vocação estética congregante, que explicita nos seguintes termos: “(...) A arte bizantina – que não era uma sobrevivência híbrida da sua componente greco-romana e oriental, mas a sua síntese harmonicamente integrada – (...) é talvez (...) a fórmula mais perfeita do estado de maturidade da arte coeva”.
Irremediavelmente provinciana, fazendo gala em sublinhar o seu lugar geográfico e em dizer, com algum acinte, que nem sequer era distribuída em Lisboa, Bysancio contou, no entanto, com a colaboração de alguns jovens autores que aí fizeram parte do seu tirocínio e que se afirmariam plenamente a partir de finais dos anos 20, como José Régio, Edmundo Bettencourt e Vitorino Nemésio. Régio colaborou assiduamente na revista, sendo de assinalar poemas como “Soneto dos vencidos” e “Última página”, que se desenvolvem a partir de temas (a figuração do poeta como um Cristo desprezado pelo vulgo, o orgulho e a revolta do homem caído) e de dualismos (o ser “trágico e burlão”) recorrentes na poesia do autor. É o encontro destes futuros presencistas que credita significado histórico-literário a Bysancio: como muito justamente assinalou Fernando Guimarães a respeito duma outra revista coimbrã, Tríptico (1924), “foi da aproximação dos colaboradores desta revista e os da Bysancio – “núcleos flutuantes, a maior parte das vezes apenas associados em torno da mesa do café”, como recorda Gaspar Simões – que nasceu um novo grupo que contribuiu decisivamente para o aparecimento, em 1927, da revista Presença” (Simbolismo, Modernismo e Vanguardas, p. 72).
Clara Rocha
BIBL.: Fernando Guimarães, Simbolismo, Modernismo e Vanguardas, Lisboa, IN-CM, 1982; Daniel Pires, Dicionário da Imprensa Periódica Literária Portuguesa do Século XX (1900-1940), Lisboa, Grifo, 1996; Clara Rocha, Revistas Literárias do Século XX em Portugal, Lisboa, IN-CM, 1985.