Porque tenho noção disto tudo – noção perfeita. Estalo, estalo! Não sinto já a terra firme sob os meus pés. Dá-me a impressão que sulco nevoeiro: um nevoeiro negro de cidade fabril que me enfarrusca – e eu então volto umas poucas de vezes por dia a casa a mudar de colarinho. Claro que não mudo de colarinho na realidade – mas em «ideia» umas poucas de vezes por dia. Juro-lho que é assim mesmo.
Tudo isto não impediu que Domingo passado no atelier do Ferreira da Costa entre cantoras e actrizes falidas se dissessem versos meus: uma tradução que o F. da Costa teimou em fazer da «N. Sr.a de Paris» que ele acha muito bela, apesar de burguesão – e que não ficou má porque eu a emendei. Depois as «Îles de mes Sens» que eu acabei com quatro versos atamancados. E uma piadinha que em tempos fiz: «Les Heures ont pris mon Angoisse» etc. Leu tudo isto uma das actrizes falidas. Muito bem, por sinal. E houve quem gostasse: um compositor, sobretudo: que achou «curiosíssimo, inteiramente novo». Que quer fazer música para a versalhada. Também se traduziu à la diable e à la minute a «Inegualável» – que deu no goto às raparigas: por se querer uma mulher com jóias pretas e que não pudesse dar um passo. Enfim, insinuações paulicas por Paris. Amanhã vou a casa do H. Cristo que parece querer publicar um folhetim no Éclair sobre o Céu em Fogo. Naturalmente nunca mais o escreve.
Bem, adeus. Não se zangue comigo por causa desta carta – e sobretudo, sobretudo escreva-me muito. Como se fossem seus, inteira- mente seus, disponha dos meus versos quanto a publicação. Carta Branca. Não tenha nenhum escrúpulo.
Mil abraços do seu pobre
M. de Sá-Carneiro
P. S. Avise imediatamente o Rodrigues Pereira que pelo mesmo correio lhe envio uma carta para a Brasileira do Chiado onde deve hoje mesmo reclamá-la. Não se esqueça disto. E escreva – escreva grandes cartas por amor de Deus. Tenha dó de mim! Escreva!
Mais abraços do
Sá-Carneiro
Mais três quadras da tal poesia que lhe dão bem a prova se eu estou ou não doido. Diga-me o que pensa desta fantochada: não se esqueça!
Levantar-me e sair. Não precisar
De hora e meia antes de vir prà rua.