Arquivo virtual da Geração de Orpheu

Mário de Sá-Carneiro

O Arquivo Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), poeta modernista, inclui correspondência, cadernos e manuscritos, bem como a obra publicada no seu tempo de vida. Muitos destes documentos foram reunidos por François Castex, professor e escritor francês, e encontram-se conservados na Biblioteca Nacional de Portugal. Reúne-se aqui também o conjunto das cartas enviadas pelo autor ao seu amigo Fernando Pessoa.

Os documentos completos encontram-se no campo “PDF” e os manuscritos foram transcritos no campo “Edição”. 

 

Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/7_13
Esp.115/7_13
Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta enviada de Paris, no dia 5 de Março de 1916. 

 

 **

Paris – Março 1916

Dia 5

 

Meu Querido Amigo,

 

Trata-se dum caso de importância capital, mas capital, para mim. Não lhe explico nada e desculpe-me que empregue o menor número de palavras possíveis.

Logo que receber esta carta vá procurar a minha Ama à Praça dos Restauradores n.o 78 (3.o andar). (Como já lhe disse, creio, a minha Ama está só em Lisboa pois a mulher do meu Pai está em L. Marques): Mostre-lhe a carta que mando junto para ela, leia-lhe e encarregue-se de tudo. Perdoe-me a «sale affaire» de que o encarrego mas não posso lançar mão doutro meio. Você empenhará o cordão pelo maior preço que lhe derem; vá a uma casa da rua da Trindade fazendo esquina para a rua do Teatro do Ginásio e mesmo em frente do Ginásio. Aí pagam muito bem e os juros são pequenos. Pague dois meses de juros e entregue a cautela à minha Ama depois. O dinheiro envia-mo imediatamente em cheque telegráfico Crédit Lyonnais. Perdoe-me ainda isto: se tiver muita necessidade de 5000 réis (as suas crises habituais) tenho muito prazer em lhos emprestar. Desculpe-me mas eu sou sempre franco.

Se porventura a minha ama não tivesse o que eu lhe peço – o que é inverosímil – ou se tivesse o cordão já empenhado você corria a procurar o meu avô: José Paulino de Sá Carneiro, no edifício do Terreiro do Trigo – Direcção-Geral das Alfândegas – e dizia-lhe que em nome de meu Pai pedisse ao Herrmann ou ao Rosa o envio telegráfico de 200 francos.

Acrescentava-lhe que se tratava dum caso da maior importância, e que eu estaria perdido se não recebesse com a maior urgência esse dinheiro – que já gastei. Mas tudo se passará bem com a minha Ama vá pois imediatamente procurá-la, leia-lhe bem a carta junta e trate de tudo, de tudo no próprio dia em que receber esta carta. Repare que se trata duma circunstância capital – quase de vida ou de morte. Entrego-me mais uma vez nas suas mãos. Perdoe-me tudo, humildemente e de joelhos lho imploro meu querido Amigo. Fico ansioso. Trate-me de tudo isto com a maior urgência. Não se assuste em demasia mas trata-se dum caso gravíssimo. Explique bem isto à minha Ama. Bem entendido, pelo mesmo correio, eu previno-a da sua visita. Pergunte pela sr.a Ama e diga que é o Sr. Pessoa que a vai procurar em nome do menino Mário: 78 Pr. dos Restauradores (3.o). Você compreende tudo, não é verdade? Encarregue-se de tudo, combine tudo com a minha ama: contanto que o dinheiro me seja enviado o mais breve possível. O meu Avô só em último caso deve ser posto a par disto: explico-o mesmo à minha Ama.

Adeus. Conto consigo.

Mil saudades e toda a minha pobre alma.

o M. de Sá-Carneiro

Leia também esta carta à minha Ama. Perdão por tudo!

P. S.

Sem efeito o que digo sobre o meu Avô. Mesmo se a minha ama não tivesse o cordão você não ia procurar o meu avô – mas pelo telégrafo avisava-me que a minha ama não pudera dar o cordão. Redigiria o telegrama assim

Sa Carneiro      29 Rue Victor Massé

Impossible       Pessoa

Peça em meu nome o dinheiro para o telegrama ao Vitoriano ou na Livraria. Inste bem com a minha Ama sobre o cordão – ela dá-lho com certeza se o tiver – que é o mais provável, o certo – combine bem tudo com ela. Se ela falar no meu avô diga-lhe que ele não deve saber de nada. Faça por compreender bem tudo. Conto consigo. Siga à risca as minhas instruções.

Mais saudades do seu

Sá-C.

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5840
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre folhas quadriculadas e sobrescrito.
Dados de produção
1916 Mar 5
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.