Camarate – Quinta da Vitória
Outubro 1914 – Dia 6
Bem, como hoje não há jornais venho conversar um pouco com você, meu querido Fernando Pessoa. Agora tenho lido – lepidopterias. La Faustin do Ed. Goncourt. Mau, penosamente. E romantismos: Balzac, G. Sand... Pasmoso! Um interseccionista!... Mas é preciso passar tempo! É verdade: não escrevo a «Elegia» para o Céu em Fogo. Guardo-a para outro livro: porque não estou em disposições de a escrever agora – e seria grande – e grande já o livro está. Escreverei só mais um conto pequeno, para ele: «Asas» talvez – que está mesmo mais de acordo com o «ar» Europeu do livro. Decididamente é as «Asas» que vou escrever qualquer dia – e assim terminarei o volume. Ficará com 8 contos: «A Grande Sombra», «O Fixador de Instantes», «Mistério», «Eu Próprio o Outro», «A Estranha Morte do Prof. Antena», «O Homem dos Sonhos», «Asas», «Ressurreição». Será um volume de 300 páginas normais. (Quero mesmo escrever as «Asas» neste volume por causa do «Além» e «Bailado, ultrapederasta assim o volume.)
O Guisado escreveu-me um soneto «Portas Cerradas». Não lho copio porque a você o mandou decerto tam- bém. Soube outro dia algumas coisas sobre o Valério por pessoa que o conhece muito bem e à família: o pai vende sementes, são Roxos – e o Valério batia na irmã para ela lhe dar dinheiro. É ela mesmo quem quase sempre o tem sustentado e à mulher. Houve tempo em que o Valério dormia nas arcadas do Terreiro do Paço... Em todo o caso é isto mesmo que faz curiosa a sua personalidade.
Qualquer dia vou a Lisboa para cortar o cabelo. Avisá-lo-ei.
Dê saudades ao Vitoriano e ao Pacheco. Escreva.
Saudo-o em paulismo (Ramos mais ou menos interseccionados)
Adeus.
Um grande, grande abraço.