Arquivo virtual da Geração de Orpheu

Mário de Sá-Carneiro

O Arquivo Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), poeta modernista, inclui correspondência, cadernos e manuscritos, bem como a obra publicada no seu tempo de vida. Muitos destes documentos foram reunidos por François Castex, professor e escritor francês, e encontram-se conservados na Biblioteca Nacional de Portugal. Reúne-se aqui também o conjunto das cartas enviadas pelo autor ao seu amigo Fernando Pessoa.

Os documentos completos encontram-se no campo “PDF” e os manuscritos foram transcritos no campo “Edição”. 

 

Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/5_35
Esp.115/5_35
Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta enviada de Barcelona, no dia 4 de Setembro de 1914. 

 

 **

Barcelona - Setembro de 1914

Dia 4

 

«Noticies»
«Hem tingut el goig d’estrenjer la má del nostre amic, el notable i exquisit literat português En Marius de Sá-Carneiro, que, vingut de Paris, on resideix habitualment, s’instalerá a Barcelona – ciutat que moltissim li plau – mentres duri la guerra. Benvingut sigui entre nosaltres»
«EL POBLE CATALÁ – Dijous 3 de setembre 1914»

 

É claro, meu querido Amigo, que lhe escrevo agora por dá cá aquela palha – pois o preço da estampilha é a miséria dum vintém!... O R. i R. emprestou-me o último n.o da Águia. Então agora o Vila-Moura também se quer ungir de Europa – de Paris! Mas logo põe uma dama tripeira no cabaret do Quat’s Arts (que nunca existiu, creio: Quat’s Arts é o baile dos pintores, escultores, arquitectos que se realiza todos os anos). Que trecho tão lepidóptero. Há-de ser uma beleza a novela!... E a página do G. Leal da senhora dos olhos mestos mas honestos. Aquilo só com um pau!... Que diz você?...

– O R. i R. tem em preparação um volume chamado Poesia e Prosa (2.a ed.) que é uma selecta de prosadores e poetas portugueses – aonde traduzirá versos meus. Pediu-me para lhe indicar outros poetas a traduzir. É preciso que o paulismo se manifeste, não lhe parece? Assim já pedi versos ao Guisado. E você? Você devia figurar também. Por lepidóptero que seja o R. i R. sempre traduz menos mal, parece-me, pelo que adivinhei, por exemplo, da «Elegia» do Pascoais nas Atlântidas, que – é claro – ele já me deu. Diga-me pois o que pensa sobre o assunto.

– O mesmo eterno R. i R. na sua lepidopteria pediu-me para eu escrever um artigo sobre O Génio Peninsular livro recém-aparecido em edição da Renascença. Não tenho remédio, é claro, senão escrevê-lo. Mas tem piada. Porque será publicado em Catalão no El Poble!... Seja como for sempre um pouco cosmopolita... Ah! e é claro que unjo o artigo de paulismo, olá se o unjo!...

Pelo mesmo correio mando-lhe um jornal de Bilbau, com artigos em basco. Repare-me para esse idioma, e diga-me se não dá bem a impressão duma língua Outra. É perturbador e misterioso – língua antiquíssma, de origens ignoradas, ignoradas, d’além-civilização. Eu acho impressionante! Escreva-me o mais depressa possível e largamente como fez nos primeiros meses! Suplico-lhe! Suplico-lhe. Conte-me coisas. E averigue-me sobretudo pelo Pacheco, o que há sobre o C. Franco.

Mil abraços do seu, muito seu

Mário de Sá-Carneiro

Escreva!

As cartas seguem borradas pois só amanhã tenho a minha caneta que foi a mudar de aparo! Diga se recebeu o jornal Outro. Escreva-me! Escreva-me! Averigue do Franco. Fale-me dessa gente, mesmo lepidóptera daí. Pergunte ao V. Braga se recebeu uma carta que lhe enviei para a Estação do Rossio. Mais saudades do

M. de Sá-Carneiro

 

 

 
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5763
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre folhas pautadas e sobrescrito timbrados.
Dados de produção
1914 Set 4
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Barcelona
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.