– Uma resolução súbita, nascida esta manhã às 6 horas – e logo posta em prática: parto para Barcelona!... Não posso com efeito aguentar o ambiente de Paris – o que não posso em verdade é aguentar-me! E daí um desejo – um rubro desejo de fazer qualquer coisa... Sucede que ontem, sem esperar, sem saber para quê, sem saber de quem, recebo um vale telegráfico de 500 francos expedido pelo sr. Santos Vieira (ni vu, ni connu!...) É claro que isto é dinheiro seguramente enviado pelo meu pai por intermédio dalguém... E amanhã parto para Barcelona... É claro que não sei mais nada... Vou telegrafar ao meu pai que fico lá enquanto a guerrar durar. Mas não sei... Sobretudo horroriza-me voltar a Lisboa... E daí não propriamente... Mas parto amanhã para Barcelona... Vamos a ver quanto tempo lá me demoro... Você escreva já, na volta do correio para a posta-restante, se antes disso eu não lhe telegrafar o meu endereço.
A «Grande Sombra» vai caminhando apesar de tudo isto, ainda que vagarosamente.
Será lindo e Europeu se a sua «data» for esta:
Lisboa – Paris – Barcelona
Abril a Setembro de 1914
E sê-lo-á, quem sabe?...
Enfim... enfim...
Loucuras... loucuras...
Mas você meu querido Amigo não pode calcular o tédio destes últimos dias – uma tristeza derradeira, suspensa, aniquiladora a desamparo... E repito-lhe: prefiro tudo, a continuar parado. Estava mesmo decidido a partir para Lisboa... mas esta manhã lembrou-me a solução preferível em disparate a seguir para Barcelona...
Eu sei lá... Eu sei lá!...
O seu, muito amigo
Mário de Sá-Carneiro
Até hoje nada seu. Por amor de todos os santos – escreva!...