Arquivo virtual da Geração de Orpheu

Mário de Sá-Carneiro

O Arquivo Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), poeta modernista, inclui correspondência, cadernos e manuscritos, bem como a obra publicada no seu tempo de vida. Muitos destes documentos foram reunidos por François Castex, professor e escritor francês, e encontram-se conservados na Biblioteca Nacional de Portugal. Reúne-se aqui também o conjunto das cartas enviadas pelo autor ao seu amigo Fernando Pessoa.

Os documentos completos encontram-se no campo “PDF” e os manuscritos foram transcritos no campo “Edição”. 

 

Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/5_26
Esp.115/5_26
Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta enviada de Paris, no dia 20 de Agosto de 1914. 

 

 **

Paris – Agosto 1914
Dia 20
 

Meu Querido Amigo,

 

Recebi hoje o seu mandado telegráfico que muito agradeço. Assim peço-lhe desculpa da minha última carta – pois que a demora na recepção foi apenas devida aos serviços postais desorganizados – e por forma alguma a descuidos da sua parte. Afinal – você sabe bem como as minhas decisões ondulam – mandei hoje um telegrama a dizer que ficava anulada a carta em que pedia dinheiro para me ir embora. Fico portanto em Paris até nova ordem... Sou maluco – não sou? De resto, nenhumas novidades. Isto duma insipidez infame; uma vida chata, provinciana (ó pasmo) bem pior do que a de Lisboa. Paris de província – e não Paris da guerra como eu escrevia outrora... Ao mesmo tempo o meu pai, de Lourenço Marques, escreve-me que as ruas lá são asfaltadas...

Agora uma coisa da maior importância – porque é que você se reduziu de súbito a um silêncio sepulcral? Desde o fim de Julho que não me escreve – e estamos a 20 de Agosto!

Francamente não percebo!...

Literatura – Mandei-lhe há três dias uns versos: «Taciturno». Recebeu? Esqueceu-me então de juntar esta sextilha sem importância que tinha feito antes:

 

«Sugestão»

As companheiras que não tive

Sinto-as chorar por mim, veladas,

Ao pôr do sol, pelos jardins...

Na sua mágoa azul revive
A minha dor de mãos finadas

Sobre cetins...

 

Paris – Agosto de 1914

A «Grande Sombra» que esteve interrompida durante duas semanas – recomecei antes de ontem trabalhando-a. Tenho-a apurada até ao «Domínio do Mistério» inclusivamente. Assim conto-a ter pronta por meados de Setembro – se não interromper mais o meu trabalho como espero.

Meu Amigo suplico-lhe de novo que volte às suas admiráveis cartas cuja falta eu tenho sentido neste ambiente desolado, numa agonia de desamparo. Diga-me [se] recebeu uma carta onde eu lhe explanava um conto «Elegia» (antigo «Triste Amor»)? Adeus. Novos agradecimentos pela sua ilimitada gentileza e mil, mil abraços.

o seu
Mário de Sá-Carneiro

Saudades do C. Franco.

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5755
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre folhas lisas e sobrescrito timbrado.
Dados de produção
1914 Agosto 20
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.