Identificação
Bilhete-postal enviado de Paris, no dia 28 de Junho de 1914.
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Paris – junho de 1914 Dia 28
Meu Querido Amigo,
Perdoe. E muito obrigado por tudo – sim? Não sei se ontem, na minha carta, destaquei a 9.ª ode.
Se o não fiz – faço-o agora pois, numa outra leitura, foi justamente ela que achei uma das mais formosas e das mais perfeitas. Simplesmente uma maravilha, impregnada esbatidamente de suavidade azul. Pelo mesmo correio segue a Comoedia de hoje, domingo, e rogo-lhe muitas desculpas por ser esta a 1.ª que lhe envio tendo-me esquecido os domingos passados. Torno-lhe a pedir mais desculpas e a recomendar-lhe o pedido de ontem. Se por qualquer motivo se não puderem realizar a Confissão de Lúcio, Dispersão ou os Princípios – o meu amigo realizará o que for possível enviando-me a importância. Desculpe tudo isto, de joelhos perdão!...
O Pacheco vai para Lisboa muito breve (mas não diga a ninguém) e já combinámos para arreliar os carbonários contar muitas blagues a meu respeito, sobretudo dizer que nado em dinheiro. Você gozará.
Sem mais, com todas as minhas súplicas de perdão apesar de ele ser impossível,
um grande, grande abraço do seu
Mário de Sá-Carneiro
«Apoteose»
Mastros quebrados, singro num mar d’Ouro
Dormindo fogo, incerto, longemente...
Tudo se me igualou num sonho rente,
E em metade de mim hoje só moro...
São tristezas de bronze as que inda choro –
Pilastras mortas, mármores ao Poente...
Lajearam-se-me as ânsias brancamente
Por claustros falsos onde nunca oro...
Desci de Mim. Dobrei o manto d’Astro,
Quebrei a taça de cristal e espanto,
Talhei em sombra o Oiro do meu rastro...