Literatura – Admiráveis meu querido Poeta as odes do Ricardo Reis. Conseguiu realizar uma «novidade» clássica, horaciana. Pois tal é a impressão que elas me deixaram. Não sei porquê, contêm elementos novos – entanto são clássicas, pagãs. E deixe-me dizer-lhe: uma maravilha de impessoalidade, pois se no Caeiro ainda ressumava de vez em quando Mestre Fernando Pessoa, o mesmo não sucede nos versos do Reis. Eles, sendo Seus na beleza, no génio – são bem dele no conjunto. A primeira estrofe, logo, da 1.ª ode é qualquer coisa de muito grande, de muito novo – na sua simplicidade e no seu classicismo. Horácio multiplicado por alma não poderíamos chamar ao Ricardinho Reis? Percorrendo as outras odes, a cada passo surgem coisas admiráveis, de todas as odes além da 1.ª destaco a segunda:
«... deuses que o destroná-los
tornou espirituais»
a 8.ª, a 6.ª, a 11.ª e essa tão pequenina, tão graciosa 3.ª... enfim todas!...
A ouro, todas as minhas felicitações. (Não estou de acordo em que a primeira ode tenha muito a alterar. Acho-a belíssima como está e justamente uma das mais modernas e clássicas, das mais Horácio-multiplicado-por-alma. Mas nisso, o último e melhor juiz é claro você.)
Muito interessante o enredo Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos (devo dizer-lhe que simpatizo singularmente com este cavalheiro). Acho-o perfeitamente maquinado, soberbo – mas entretanto será bom não nos esquecermos que toda essa gente é um só: tão grande, tão grande... que, a bem dizer, talvez não precisasse de pseudónimos... Mas em suma tudo quanto há de mais lúcido, mais interessante, mais natural. Que bela página de história literária!...
Por mim, literariamente inactivo estes últimos dias.
O n.º do Parthénon não mo guardaram no restaurante!... Também a poesia de Nicolas era tão lepidóptero que não faz mal...
Que eu saiba não sou redactor-principal da Flama. Colaborarei literariamente entretanto e paulicamente – tanto mais que o D. Tomás, segundo aí me disse, na parte artística quer introduzir o maior avanço, mesmo para explorar o snobismo.
(É verdade: embora ache justo, confesso-lhe que tenho pena que o Caeiro não entre para o paulismo.)