Mário de Sá-Carneiro
Director de Orfeu
Se você não acha bem, e acha preferível pôr Poeta sensacionista, cabalístico, mefítico, interseccionista, opiado etc. – para mim é-me indiferente. Proceda como quiser. No entanto parecia-me bem fazer assim pois marca a individuadidade do Orfeu. Acho mesmo que você devia também pôr sob o seu nome o mesmo dístico: «Director de Orfeu». É consigo. Agradeço-lhe pela piada – o que disse ao Leal sobre a imortalidade do Pintor. Ri às bandeiras despregadas. Que sorte sem nome o Pintor deu por certo – se o Leal lhe contou, o que duvido, pois o Leal parece-me leal... Concordo opiparamente com a declaração assinada «comité redactorial de Orfeu» Sá-Carneiro, Pessoa, Pacheco, Almada. Tem espírito às carradas. O Pacheco decerto anuirá. Rogue-lhe também em meu nome. Nada que desculpar os proprietários do Orfeu, eu e você. Com o Santa-Rita todo o cuidado é pouco: tome a máxima cautela, ele há-de por força querer falsificar o Orfeu! Por mim tomo tanta cautela que pelo mesmo correio envio a seguinte carta:
Ex.mo Sr. Miguel Saraiva Tipografia do Comércio
10 Rua da Oliveira ao Carmo Lisboa
«Tem esta o fim de prevenir V. Ex.a que se alguma pessoa se dirigir a sua casa invocando o meu nome para a impressão duma revista o faz sem minha autorização. Assim V. Ex.a dever-lhe-á recusar todo o crédito. Escrevo-lhe esta carta pois de Lisboa me previnem que isto pode suceder – a fim de pôr a salvo toda a minha responsabilidade. Sem mais, etc.»
– Com efeito, como do Santa-Rita espero tudo lembrei-me que ele poderia ir à Tipografia invocando até o meu nome, para obter crédito. Sei lá. Rogo-lhe até que se lhe constar alguma trapalhada pela Tipografia do Comércio vá lá procurar o Ex.mo Sr. Miguel Saraiva, servindo-lhe esta carta de credenciais. Compreende bem o grave que era se o Santa-Rita fosse lá fazer o 3 à custa do meu Pai – dizendo até, sei lá, que aquilo era o n.o 3 do Orfeu. Se porventura o 3 se fizer – o que apesar de tudo não creio – você tenha olho em que a numeração das páginas comece em 1 e em que os nossos nomes sejam seguidos das qualidades que indicamos. Olho bem vivo! – É claro que era óptimo que as plaquettes saíssem. Mas parece-me bem difícil a não ser que o Almada se encorajasse. Acho que você não deve sacrificar os 10 000 réis do Pinto. Uma simples declaração num jornal, no Diário de Notícias mesmo só, paga como anúncio, basta para pôr as coisas nos devidos termos. Não há razão nenhuma para você fazer favores dessa ordem ao Almada. Rogo-lhe que pense bem nisto. É desnecessário, para manter a individualidade do Orfeu – creia – mesmo que a malandrice do S. R. seja total. E esse sacrifício competir-me-ia bem mais a mim do que a você, se fosse necessário. Entanto confesso-lhe que não posso ceder nenhuma quantia do dinheiro que ainda tenho na Livraria para este fim. Preciso comprar várias coisas de vestuário, entre elas um sobretudo e só posso para isso contar com esse dinheiro. Você compreende pois bem a impossibilidade e desculpa-me. Rogo-lhe muito. Envio-lhe ao mesmo tempo outra carta do meu Pai. Veja bem o que ele é. Por essa carta verá que a conta da tipografia já está paga. Numa outra recebida ontem meu Pai repete-me que fique por aqui... e que África não é terra para mim, só talvez Joanesburgo, se eu soubesse perfeitamente inglês. É por uma questão psicológica que lhe envio a carta do meu Pai – que você devolverá – e lhe conto isto. É extraordinário a superioridade e a bondade do meu Pai. E isto é para mim, além de tudo, um orgulho infinito. Você compreende-me, não é verdade? – Diga ao Augusto que se não esqueça de apurar as contas do Orfeu e de me enviar o resultado definitivo, o mais breve possível. Não esqueça de me informar do que houver a este respeito. Creio que a nenhuma coisa importante deixei de lhe responder. Fico ansioso à espera de mais detalhes da affaire.
Mil saudades e um grande abraço de toda a alma.
O seu, seu