Carta enviada de Paris, no dia 25 de setembro de 1915.
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Recebi ontema sua carta de 20 que de todo o coração agradeço. Você tem mil razões: O Orfeu não acabou. De qualquer maneira, em qualquer «tempo» há-de continuar. O que é preciso é termos «vontade». Mas junto envio-lhe um coup-de-théâtre: a carta ontem recebida do futurista Rita-Pintor que não quer que o Orfeu acabe, e o continuará com alguns haveres que possui, caso nós nos não oponhamos etc., etc. – e contando comigo e consigo – pois já lhe não chama nomes feios!... O caso é bicudo – especialmente para você que o tem de aturar. Dou-lhe carta branca. O meu querido amigo diz-lhe o que entender, resolve o que entender. Por mim limito-me a escrever-lhe logo uma carta vaga: que sim e mais que também... Esse sarilho, resolva-o você. Claro que Santa-Rita «maître» do Orfeu acho pior que a morte. Entretanto você resolverá tudo. «Eu, aqui de longe, nada de positivo posso fazer, nem decidir» – será o tema, o resumo da minha carta ao Gervásio Vila Nova.
AGORA UMA COISA muito importante: Rasgaram-se-me as ceroulas, chove muito: tive de comprar portanto ceroulas e botas. Assim vi-me forçado a pedir pelo correio de ontem à Livraria que me enviassem 40 ou 50 francos, o mais breve possível de maneira a que eu receba as massas a 8 ou 9 (não faria mal que fosse a 10, mas aos homenzinhos convém falar assim – e, de resto, para meu sossego, quanto mais cedo melhor). Assim suplico ao meu querido Fernando que vá imediatamente à Livraria indagar se foram recebidas as minhas cartas e não me largue o Augusto. Na volta do correio, por amor de Deus informe-me do que lá lhe tiverem dito, se eu posso contar efectivamente com os 40 ou 50 francos até 8 ou 9 do próximo mês de outubro. Diga ao Augusto que eu lhe escrevi que isto tem para mim muita importância. Mace-mo todos os dias. Conto mais um vez consigo. Por amor de Deus não descure este assunto. De resto a Livraria não me faz favor algum pois o tempo é já passado de sobra até para a liquidação total do Orfeu. Isto tem para mim efectivamente uma grande importância e assim mais um vez apelo para a sua amizade. Informe-me por amor de Deus na volta do correio, num simples postal, do que lhe tiverem dito sobre o assunto. Não se esqueça. E por hoje mais nada senão esta carta estúpida de matéria.
Mil abraços de toda a alma.
O seu, seu
Mário de Sá-Carneiro
Escusa de reenviar-me a carta S. Rita. É verdade esqueceu-me de procurar a outra. Irá depois. Não descure assunto Livraria. Perdoe-me!