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Mário de Sá-Carneiro
Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/5_5
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Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta enviada de Paris, no dia 3 de Julho de 1914. 

 

 **

Paris 3 julho 1914

Meu Querido Amigo,

 

Você vai perdoar tanta repetição!

Recebi hoje uma carta da Livraria Ferreira na qual acusam a recepção da minha e me dizem terem ficado cientes do seu conteúdo e esperarem as minhas ordens. Assim, se por qualquer razão você ainda lá não foi, suplico-lhe que vá lá hoje mesmo requisitar os Princípios e hoje mesmo os venda, enviando-me a importância – sobretudo não se esquecendo de me telegrafar para meu sossego. Não se preocupe se por acaso não tiver dinheiro para pagar os fretes adiantados. Faça como eu fiz muitas vezes: diga ao livreiro da Calçada do Combro que não tem troco. Ele paga – e depois desconta no dinheiro que lhe tiver a entregar. Eu faço-lhe todas estas recomendações porque receio que você se prenda com pequeninas coisas. E é claro que, de joelhos lhe imploro perdão por tudo isto – por todas estas recomendações, estas insistências tolas. Mas veja que procedo para si como um verdadeiro Amigo – isto é: com a franqueza máxima. Compreenda bem e perdoe-me. É só por estar preocupado com o pouco dinheiro que tenho que tanto disparate lhe digo – Perdoe-me. Se por acaso você estiver à espera, suponhamos, que o Bordalo lhe dê os livros para vender tudo junto, telegrafe-me dizendo-me para eu ficar tranquilo. Desde o momento que o dinheiro chegue até 10 tudo está bem. Agora se for impossível, previna-me sem demora para eu a 7 o mais tardar pedir que mo enviem de Lisboa. E repito-lhe: se só puder realizar as Confissão de Lúcio, Dispersão, mande-me o dinheiro, por pouco que seja, de qualquer forma, mas não me deixe de avisar telegraficamente em nenhum dos casos. Coro de vergonha a pedir-lhe que me desculpe tudo isto – pois em verdade é abusar – e abusar inutilmente porque decerto amanhã ou depois me chega carta sua com todas as explicações e assim tudo quanto lhe digo nesta fica sem efeito. Devo-lhe dizer de resto que escrevi hoje ao meu pai mandando-lhe a conta da Livraria Ferreira a fim dele a pagar. – Não tenho nada de interessante a dizer-lhe. Mesmo esta carta é tão infame que falar nela doutra coisa, de alma ou literatura, seria engordurar uma coisa ou outra. Apenas lhe direi que o Crévan faz proximamente uma conferência em seu benefício aonde para exemplificar as suas teorias dançará e boxará. É absolutamente Petite Semaine, não acha?

– Bem, adeus, meu querido e Santo amigo. Perdoe-me! Perdoe-me! Não se esqueça do que lhe rogo – e escreva-me!...

Um grande, grande Abraço do seu

Mário de Sá-Carneiro

Rasgue esta carta da sua alma!

Post-Scriptum
Suponhamos que você não tinha recebido a carta em que lhe fazia o meu pedido e que assim ficava às aranhas ao receber esta: o que eu lhe pedi foi que fosse ao Bordalo requisitar todas as Confissão de Lúcio e Dispersão que lá tivesse e à Livraria Ferreira requisitar todos os Princípios. (Escrevi a ambas as casas nesse sentido.) Depois que fosse à Livraria Universal 30, Calçada do Combro vender tudo isso onde devem pagar as C. de L. a 50 réis as D. a 20 réis e os Pr. a 70 réis. E que me enviasse sem demora o dinheiro recebido. Desculpe ainda mais esta madureza. Adeus. Outro grande abraço.

o

Sá-Carneiro

Perdão! Perdão!

 

 
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5546
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre folhas pautadas, timbradas ("Café de Rohan") e sobrescrito.
Dados de produção
1914 Julho 3
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.