Não tenho de forma alguma passado feliz nesta terra ideal. Tenho mesmo vivido ultimamente alguns dos dias piores da minha vida. Porquê? indagará você. Por coisa alguma – é a minha resposta. Ou antes: por mil pequeninas coisas que somam um total horrível e desolador. Olho para trás, e os tempos a que eu chamei desventurados, afiguram-se-me hoje áureos, suaves e benéficos. Diante de mim, a estrada vai pouco a pouco estreitando-se, emaranhando-se, perdendo o arvoredo frondoso que a abrigava do sol e do vento. E eu cada vez mais me convenço de que não saberei resistir ao temporal desfeito – à vida, em suma, onde nunca terei um lugar.
Vê você, eu sofro porque sinto próxima a hora em que o recreio vai acabar, em que é forçoso entrar para as aulas. Talvez não me compreenda nestas palavras, mas eu não tenho paciência nem força para lhe falar mais detalhadamente: Em suma não creio em mim, nem no meu curso, nem no meu futuro. Já tomei várias decisões desde que aqui estou e um dia senti, na verdade senti cheio de orgulho, que me chegara finalmente a força necessária para desaparecer. Ilusão dourada! Na manhã seguinte essa força remediável tinha desaparecido. E então resolvi voltar para Lisboa, sepultar dentro de mim ambições e orgulhos. Mas não tive também força para o fazer. Sorria-me Paris e lá ao longe, um fiozinho de esperança que todas as aspirações dentro de mim me fizeram ver como um facho resplandecente. Desembriagado, hoje porém observo desolado quanto esse fio é ténue. Mais uma vez fui fraco, em resumo – adiei, e sempre boiando cá vou vivendo.
Depois, no meio da minha angústia, pequeninas coisas se precipitam a exacerbá-la: A saudade de todas as coisas que vivi, as pessoas desaparecidas que estimei e foram carinhosas para mim. Mas não é isto só: sofro pelos golpes que tenho a certeza hei-de vir a sofrer, como por exemplo a morte fatal e próxima de algumas pessoas que estimo profundamente e são idosas. E sofro ainda também, meu querido amigo, por coisas mais estranhas e requintadas – pelas coisas que não foram. De forma que numa tortura constante tenho vivido estes últimos dias e cheguei mesmo a chorar uma noite – o que há tanto, desde os 15 anos, não me acontecia.