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Mário de Sá-Carneiro
Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/4_2
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Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta a Fernando Pessoa, enviada de Paris.

 

34

 

Paris 

– Maio de 1913 Dia 4 

 

Meu querido Fernando, 

Aí vai outra poesia. Fi-la, vamos lá em 3 horas, neste café, com barulho e um militar reformado, gagá, ao meu lado que fala só e implica com os circunstantes... Nesta tenho muita confiança; julgo-a mesmo muito bela, pasmo de a ter feito. É muito interessante o que se passa comigo actualmente. Como é que de súbito eu me virgulo para outra arte tão diferente? E sem esforço, antes naturalmente. Depois há isto. Eu que sou sempre inteligência, que componho sempre de fora para dentro, pela primeira vez acho-me a compor de dentro para fora. Estes versos, antes de os sentir, pressinto-os, pesam-me dentro de mim; o trabalho é só de os arrancar dentre o meu espírito. Sinto mesmo uma ou duas poesias mais dentro de mim. Não lhe posso dizer o que elas são; mas sinto-as. Qualquer dia as escreverei. É preciso notar que o soneto que ontem lhe enviei, bem como esta poesia e essa outra ou outras ainda não escritas se englobam em Dispersão, e entrevejo mesmo uma plaquette aonde, sob esse título, elas se reúnam sem títulos; separadas unicamente por números. É preciso notar que só farei essa publicação se o meu amigo me disser que efectivamente estes versos valem alguma coisa, não muita coisa – entanto alguma coisa. Mesmo eu gostava muito de publicar um feixe de versos entre as minhas prosas. Diga-me pois francamente. O «Bailado» aboli-o. Logo não se admire do «Desce- -me a alma», que aproveitei na «Bebedeira», como outras coisas do «Bailado» aproveitarei. Aliás o verso «Desce-me a alma, sangram-me os sentidos» parece-me muito belo. Que diz você? É verdade. Resolvi substituir toda a 1.a parte do «Simplesmente» por esta única quadra 

Ao ver passar a vida mansamente 

Nas suas cores serenas, eu hesito, 

E detenho-me às vezes na torrente 

Das coisas geniais em que medito. 

 

Faço bem? Diga. 

Quanto às elisões («imp’rial», etc.) quando publicar os versos não as faço tipograficamente. O leitor maquinalmente as fará. O mesmo sucede com um «crepúsculo» da «Bebedeira». 

Diga-me também. Seria melhor escrever a 1.a quadra do soneto de ontem assim (foi como primeiro a escrevi)? 

 

Numa ânsia de ter alguma coisa,
Divago por mim mesmo a procurar. 

Desço-me todo, e em vão... Sem nada achar, 

A minh’alma perdida não repousa. 

 

Na «Bebedeira» será melhor «Um disco d’ouro nasce a voltear» do que: «Um disco d’ouro surge a voltear»? 

Desculpe todas estas coisas sem importância. É claro mesmo que pequenos retoques ainda presumivelmente darei a todos estes versos até à hora da sua publicação. 

Suplico-lhe, suplico-lhe que me diga o mais depressa possível o valor destes versos. Com toda a rudeza. Pode-os mostrar a quem entender. 

E perdão de novo pelas minhas maçadas! 

O seu muito grato 

Sá-Carneiro 

 

Responda logo que possa!
Perdoe-me! ...
Destas 4 poesias: 2.a parte do «Simplesmente», «Dispersão», Soneto e «Bebedeira», diga-me qual a melhor (eu julgo a última). 

 

 

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5115
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre sobrescrito e 2 folhas lisas timbradas do "Café Riche" .
Dados de produção
1913 Maio 4
Inscrita: "Maio de 1912 Dia 4".
Corrigido o erro do ano.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115/4
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.