Estou muito triste. Desoladora e comovidamente triste. É uma tristeza de silêncio, macerada a tons de platina – duma parte; e doutra: um arrepio de angústia, um não-querer apavorado. Se eu lhe disser que toda esta minha tristeza a motiva a guerra – talvez sorria você, e entretanto é ela que, na verdade, a provoca pelas complicações horríveis que pode trazer à minha vida. Nem o meu amigo as calcula – nem eu lhas posso explicar. E não é tudo: é uma saudade, uma saudade tão grande e piedosa do meu Paris de Europa, atónito, apavorado e deserto. Sim, sem literatura eu lamento as grandes lojas fechadas, os cafés apagados – todo o conforto perdido! Teatros, pequeninos quartos de hotéis, os salões dos grandes costureiros... Tanta pena, tanta pena... Eu sinto-me em verdade a amante pequenina dum rapaz loiro de vinte anos que partiu para a guerra e não voltou... Doutra forma não posso explicar porque a esta hora sinto uma tristeza de beijos que nunca dei... uma saudade de mãos que não enlaçaram, talvez, as minhas – e tudo isto suscitado pela devastação que me rodeia... Porque sentirei tão estranhamente?
Meu Amigo, como uma vez você avisava numa sua carta – perdoe-me a literatura, e não duvide da sinceridade da minha tristeza. Estou horrivelmente desgraçado de alma – num nervosismo constante, vibrante e aniquilador. Horas de inquietação ziguezagueada as que vivo – mas de inquietação de mim próprio. Entanto talvez de mim próprio: como um pedaço de Europa. – Queria-lhe dizer muita coisa interessante, mas não posso. É-me um suplício físico cada letra que a minha vontade arrepiada, debotada, escreve. Apenas isto, muito por alto: lembrei-me longinquamente de escrever um livro intitulado: Paris da Guerra aonde iria anotando as impressões diárias: mas interseccionadamente: falando dos fluidos a que me referi na minha última carta, da tristeza de que falo nesta etc. Compreende? Tenho de resto muitos episódios a tratar assim. Diga o que pensa.
– Agora isto meu amigo – recorde-se: eu disse-lhe em Lisboa, no Café da Arcada: tenho a impressão que me sucede qualquer coisa em Paris, que «há» qualquer coisa em Paris, este verão, por agosto ou setembro. Recorda-se? É fantástico, não é verdade? Mas bem longe estava de supor uma guerra!...
– Recebi o livro do Ferro e Cunha que está na verdade muito bem apresentado e me deixou uma bela impressão. Transmita isto aos rapazes, pois não tenho forças para lhes escrever. Leia esta carta ao José Pacheco que é também para ele, em pensamento. E que me desculpe o não lhe escrever neste instante. Não posso! Não posso! Atravesso uma crise sem fim de tristeza dilacerada (não dilacerante: dilacerada). Eu bem sei. Mais do que nunca me vem a sensação do Fim.
Meu Amigo, aperte-me nos seus braços! Meus Amigos apertem-me estreitamente nos vossos braços. Adeus.