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Fundo
Mário de Sá-Carneiro
Cota
Esp.115/5_20
Imagem
Carta a Fernando Pessoa
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Autor
Sá-Carneiro, Mário de

Identificação

Titulo
Carta a Fernando Pessoa
Titulos atríbuidos
Carta a Fernando Pessoa
Edição / Descrição geral

Carta enviada de Paris, no dia 1 de Agosto de 1914. 

 

 **

Paris – Agosto de 1914

Dia 1.o

 

Escrevo-lhe numa hora horrível – meu querido Amigo. Para o mundo – para a Europa – e mesmo, pessoalmente, para mim: para nós todos... O que se irá passar? Ninguém o sabe. Mas neste momento a guerra parece inevitável. Toda a Europa em armas – lê-se nas manchettes.

 
 

E mesmo de Lisboa, telegramas: Portugal mobilizará 10 mil homens em vista da aliança inglesa. Por mim estou ansioso e desoladíssimo neste momento. O meu Pai já ontem me telegrafou de L. Marques a dizer-me que era melhor voltar para Lisboa. Respondi-lhe que valia ainda esperar. A cada passo entretanto receio ter que partir por ordem dele – ou mesmo forçado pelas circunstâncias. Seja como for só partirei em últi- mo caso. Estou muito triste! De resto, embora os perigos, eu gostaria veementemente de viver esta guerra da Europa em Paris. Mas não sei, nada, nada...

– Recebi hoje a sua carta se 28 que muito agradeço e achei interessantíssima. Parece impossível que você receie maçar-me com o que nela diz!... Sobretudo entusiasmou-me a sua teoria da «República Aristocrática» – que creio ter perfeitamente compreendido. E entusiasmou-me muito alto – por o «paulismo» lhe ser um forte apoio. Cada vez me vanglorio mais de pertencer a essa escola – e mais creio nela: mais creio em você – mais creio em mim. Que belíssima coisa seria agora com essa orientação «total» a nossa revista – Europa! – Curiosíssima a atmosfera de Paris entre estes acontecimentos. Toda a gente passa na rua, sombria, preocupada: e a mesma compreensão do perigo todos sobressalta. Há, sinto em verdade – não apenas por literatura – qualquer coisa a mais no ambiente tremulante (devido em «ra- cional» por certo, aos meus nervos de inquietação), o movimento dos veículos parece outro, mais contínuo – mais soturno... Enfim, qualquer fluido ondeia na atmosfera além do ar – tenho, em sinceridade, essa impressão. E lembro-me – agora por literatura – que em verdade a força psíquica de toda a gente pensando na mesma coisa – de tanto cérebro com a mesma preocupação profunda, de igual sentido, de iguais inflexões – poderia, deveria presumivelmente criar na atmosfera envolvente qualquer coisa de subtil... Isto seria uma crónica interessante a desenvolver... uma crónica, sabido, laivada de interseccionismo.

Recebi também carta do Guisado com as duas poesias a que você se refere. Magníficas. Mas concordo muito com o que o meu Amigo diz na sua carta sobre as deficiências, ainda, do Guisado. Também ontem me chegaram versos do C. Rodrigues: «Odes proféticas» que são belas, – entanto muito menos as senti do que a maioria dos seus versos.

– Desculpe não prolongar esta carta mais. Mas o meu terrível estado de espírito não mo permite, nesta onda de calor que, de mais a mais, hoje caiu sobre Paris. E oxalá não seja esta a última vez que eu lhe escreva daqui.

Mil abraços – mil agradecimentos pela sua carta, também.

o seu

Mário de Sá-Carneiro

Saudades do Franco.

 
Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5749

Classificação

Categoria
Espólio Documental
Subcategoria
Correspondência

Dados Físicos

Descrição Material
Tinta preta sobre folhas timbradas ("Café de France") e sobrescrito.
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
1914 Agosto 1
Notas à data
Inscrita.
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Fernando Pessoa
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Bom
Entidade detentora
Biblioteca Nacional de Portugal
Historial

Palavras chave

Locais
Paris
Palavras chave
Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Exposições
Itens relacionados
Esp.115
Bloco de notas
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.