Virtual Archive of the Orpheu Generation

Mário de Sá-Carneiro
Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/5_15
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Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta enviada de Paris, no dia 5 de Julho de 1914. 

 

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Paris 5 julho 1914

Meu Querido Amigo,

 

Recebi hoje a sua carta registada. Francamente cada dia ignoro mais como lhe hei-de agradecer tanta gentileza. Magnífica ideia a de me enviar os quarenta francos argelianamente. Agora oiça: fiquei zangado com que você pagasse os fretes. Ainda por cima! O meu Amigo diz que me deve dinheiro. Contesto! Eu é que lhe devo muitos e muitos favores! Não repita a gracinha se vender os Princípios. Mande-me (se forem o número que ontem indiquei) 50 francos ou 10 000 réis. E para acabar com a parte comercial: Rogo-lhe que não se esqueça do meu pedido de ontem: ir à Livraria Ferreira, para onde escrevi e onde lhe devem dar os Princípios – se negarem ainda entregar a carta que ia dentro ao P. Moreira e, sobretudo, telegrafar-me!

(A propósito de telegramas: tinha sido mesmo desnecessário enviar-me um telegrama anunciando os 40 francos visto que já me escrevera dando parte da conclusão do negócio.) Agora desta vez é que lhe peço muito que não olvide o telegrama, mas descontando a importância bem como a dos fretes.

Demasiadamente meço, creia, as infâmias das minhas repetições, desassossegos etc. etc. com um amigo como você em quem se pode ter a maior confiança – tanta confiança como em nós mesmos. Nem você cal- cula como lhe estou grato, não lho posso exprimir. Porque embora lhe pareça insignificante o que tem feito tem uma grande significação. É tão raro encontrarmos quem nos sirva assim diligentemente... Muito obriga- do, de todo o coração muito obrigado, meu querido Fernando Pessoa.

Literatura – Admirável o que hoje me chegou do Álvaro de Campos. Não me entusiasma tanto como a 1.a ode mas isso será apenas um factor da minha vibratilidade. (Entretanto, por enormes que ache os excertos de hoje, mesmo em inteligência, creio maior, mais significativa e marcante a 1.a ode.) A ode de hoje é admirável, portanto, belíssima – um tudo nada paulica – e um tudo nada, vamos lá, Fernando Pessoa. De resto, nota-se também evidentemente pela sua leitura que o Campos conhece bem a obra do Ricardo Reis e do Caeiro dos quais ressumam influências.

 
 

Continuo a dizer, meu amigo, que as produções do Alvarozinho vão ser das coisas maiores do... Pessoa. Europa! Europa (revista) é que é preciso sobretudo! Pela minha parte tenho estado inactivo estes últimos dias. Conto ir trabalhando na «Grande Sombra», mas sem pressa alguma, para a ter concluída definitivamente apenas em Setembro.

Diversos assuntos – Escrevi hoje ao Guisado para a Galiza. Se porventura ele ainda não tiver partido, peço-lhe que o informe. Eu preferia é claro que o Mourão não soubesse o meu endereço para não me maçar com cartas e prefácios etc. No entanto – como para ele não é plausível que o meu Amigo ignore o meu endereço – diga-lho se não tiver outro remédio. Pelo mesmo correio segue a Comoedia de hoje. Vai sem cordel. Chegará? Você diga, apesar da pouca importância do caso. É verdade: se por acaso o Tavares já não quisesse comprar os Princípios, você negociava-os em outra casa, por qualquer preço. Bem, meu amigo, termino sem nada mais ter a dizer-lhe. Renovo-lhe todos os meus agradecimen- tos e, de joelhos, todos os meus perdões. Escreva sempre o mais possível – sim? Cada vez mais me orgulho e acarinho da sua amizade.

Adeus, Fernando Pessoa.

Um grande, grande abraço do

Mário de Sá-Carneiro (muito amigo e obrigado)

Pergunte ao Almada Negreiros se afinal não vem.

 

P. S. – Esqueci-me de dizer-lhe que nos excertos de hoje a passagem que mais me impressionou foi aquela: «Apanha-me do solo malmequer esquecido» e a parte aonde se refere ao Oriente dizendo que talvez ainda por lá exista Cristo. É uma passagem admirável esta – das tais «grifando sombra e além»

o Sá-Carneiro 

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5744
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre folhas timbradas.
Dados de produção
1914 Julho 5
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.