Virtual Archive of the Orpheu Generation

Mário de Sá-Carneiro

The Virtual Archive of Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), modernist poet, includes his correspondence, notebooks, manuscripts and published work during his lifetime. Most of these documents were gathered by François Castex, French intellectual, and are kept at the National Library of Portugal. Also included here are letters sent by the author to his great friend Fernando Pessoa.

The full documents can be found in the 'PDF' box and the manuscripts have been transcribed in the 'Edition' box. 

 

 

Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/5_15
Esp.115/5_15
Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta enviada de Paris, no dia 5 de Julho de 1914. 

 

 **

Paris 5 julho 1914

Meu Querido Amigo,

 

Recebi hoje a sua carta registada. Francamente cada dia ignoro mais como lhe hei-de agradecer tanta gentileza. Magnífica ideia a de me enviar os quarenta francos argelianamente. Agora oiça: fiquei zangado com que você pagasse os fretes. Ainda por cima! O meu Amigo diz que me deve dinheiro. Contesto! Eu é que lhe devo muitos e muitos favores! Não repita a gracinha se vender os Princípios. Mande-me (se forem o número que ontem indiquei) 50 francos ou 10 000 réis. E para acabar com a parte comercial: Rogo-lhe que não se esqueça do meu pedido de ontem: ir à Livraria Ferreira, para onde escrevi e onde lhe devem dar os Princípios – se negarem ainda entregar a carta que ia dentro ao P. Moreira e, sobretudo, telegrafar-me!

(A propósito de telegramas: tinha sido mesmo desnecessário enviar-me um telegrama anunciando os 40 francos visto que já me escrevera dando parte da conclusão do negócio.) Agora desta vez é que lhe peço muito que não olvide o telegrama, mas descontando a importância bem como a dos fretes.

Demasiadamente meço, creia, as infâmias das minhas repetições, desassossegos etc. etc. com um amigo como você em quem se pode ter a maior confiança – tanta confiança como em nós mesmos. Nem você cal- cula como lhe estou grato, não lho posso exprimir. Porque embora lhe pareça insignificante o que tem feito tem uma grande significação. É tão raro encontrarmos quem nos sirva assim diligentemente... Muito obriga- do, de todo o coração muito obrigado, meu querido Fernando Pessoa.

Literatura – Admirável o que hoje me chegou do Álvaro de Campos. Não me entusiasma tanto como a 1.a ode mas isso será apenas um factor da minha vibratilidade. (Entretanto, por enormes que ache os excertos de hoje, mesmo em inteligência, creio maior, mais significativa e marcante a 1.a ode.) A ode de hoje é admirável, portanto, belíssima – um tudo nada paulica – e um tudo nada, vamos lá, Fernando Pessoa. De resto, nota-se também evidentemente pela sua leitura que o Campos conhece bem a obra do Ricardo Reis e do Caeiro dos quais ressumam influências.

 
 

Continuo a dizer, meu amigo, que as produções do Alvarozinho vão ser das coisas maiores do... Pessoa. Europa! Europa (revista) é que é preciso sobretudo! Pela minha parte tenho estado inactivo estes últimos dias. Conto ir trabalhando na «Grande Sombra», mas sem pressa alguma, para a ter concluída definitivamente apenas em Setembro.

Diversos assuntos – Escrevi hoje ao Guisado para a Galiza. Se porventura ele ainda não tiver partido, peço-lhe que o informe. Eu preferia é claro que o Mourão não soubesse o meu endereço para não me maçar com cartas e prefácios etc. No entanto – como para ele não é plausível que o meu Amigo ignore o meu endereço – diga-lho se não tiver outro remédio. Pelo mesmo correio segue a Comoedia de hoje. Vai sem cordel. Chegará? Você diga, apesar da pouca importância do caso. É verdade: se por acaso o Tavares já não quisesse comprar os Princípios, você negociava-os em outra casa, por qualquer preço. Bem, meu amigo, termino sem nada mais ter a dizer-lhe. Renovo-lhe todos os meus agradecimen- tos e, de joelhos, todos os meus perdões. Escreva sempre o mais possível – sim? Cada vez mais me orgulho e acarinho da sua amizade.

Adeus, Fernando Pessoa.

Um grande, grande abraço do

Mário de Sá-Carneiro (muito amigo e obrigado)

Pergunte ao Almada Negreiros se afinal não vem.

 

P. S. – Esqueci-me de dizer-lhe que nos excertos de hoje a passagem que mais me impressionou foi aquela: «Apanha-me do solo malmequer esquecido» e a parte aonde se refere ao Oriente dizendo que talvez ainda por lá exista Cristo. É uma passagem admirável esta – das tais «grifando sombra e além»

o Sá-Carneiro 

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5744
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre folhas timbradas.
Dados de produção
1914 Julho 5
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.