Recebi a sua carta de ____ que muito agradeço. Homem, você devia logo ter-me feito a justiça que, por muito lepidóptera que fosse a Hora, ali, no célebre artigo há frases que eu nunca nunca teria escrito. Aquilo não é nada meu – não há três linhas seguidas que sejam escritas por mim! O que é fantástico, o que excede tudo quanto se possa imaginar é que se permitissem transformar por completo o meu artigo – tirar, juntar, transpor – conservando a minha assinatura. É um abuso de confiança revoltante, que me indignou e me incomodou vivamente – e ainda hoje me traz maldisposto. O procedimento não tem classificação – e eu, é claro, nem por sombras me passou alguma vez pela cabeça que isto pudesse acontecer – se não em caso algum enviaria o artigo. Pelo mesmo correio escrevo ao José Graça – subdirector do Século e Ilustração – um protesto: bem sei que platónico, mas em todo o caso os meus nervos não podem deixar de fazer. É piramidal! Tratam-me como um menino de escola! E fazem-me assinar uma merda que nem faz sentido gramatical em certos períodos! Fica-me também de emenda. O mais engraçado é que me fazem isto por eu estar em Paris – senão teria ido ver as provas, como fiz com o «6.o Sentido» e o «Rodopio».
– Uma perfeita traição portanto! Peço-lhe encarecidamente a você que conte isto a toda a gente pois estou vexadíssimo por terem posto o meu nome naquela trampa! Conte a toda a gente, por amor de Deus, o mais depressa possível, sobretudo aos meus conhecidos: Santa-Rita, Pacheco, Vitoriano, Almada, Viana etc. É um grande favor que lhe fico devendo. Junto mando-lhe o meu verdadeiro artigo que poderá guardar e não me devolver, ou devolvê-lo quando entender. Verá que, embora insignificante, é – parece-me – uma coisa apresentável e, apesar da sua insignificância, escrito por mim. Se puder compare com o texto que saiu na I. P. Verá que tudo quanto tinha algum interesse foi modificado. É espantoso! Até isto «a guarda imperial, abismando-se em inferno» que transformaram para «em confusão infernal»!!!... Que pensa você de tudo isto? Compare os dois artigos e diga-me se não é um documento admirável de como na nossa maldita terra se faz jornalismo! Mas guardo um coup de théâtre para o fim: os desenhos do Ferreira da Costa também foram modificados!!!!!! Cortaram-lhe o fundo – que fazia o conjunto mil vezes mais interessante – para isso recortaram os bonecos com uma tesoura – o que se vê olhando os desenhos com alguma atenção – distinguindo-se o traço «raide» da tesoura. Mas não é tudo: acrescentaram um bocado ao pescoço da velha o que nitidamente se distingue – provavelmente por a acharem magrinha! Tudo isto é épico! O F. da Costa também vai escrever ao Graça pedindo para emendarem os seus desenhos à vontade mas para lhe não porem a sua assinatura! Mas acabemos com este assunto nojento!!!