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Fundo
Mário de Sá-Carneiro
Cota
Esp.115/6_70
Imagem
Carta a Fernando Pessoa
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Autor
Sá-Carneiro, Mário de

Identificação

Titulo
Carta a Fernando Pessoa
Titulos atríbuidos
Carta a Fernando Pessoa
Edição / Descrição geral

Carta enviada de Paris, no dia 27 de dezembro de 1915. 

 

 **

Paris – Dezembro 1915

Dia 27

 

Querido Amigo,

 

Recebi a sua carta de ____ que muito agradeço. Homem, você devia logo ter-me feito a justiça que, por muito lepidóptera que fosse a Hora, ali, no célebre artigo há frases que eu nunca nunca teria escrito. Aquilo não é nada meu – não há três linhas seguidas que sejam escritas por mim! O que é fantástico, o que excede tudo quanto se possa imaginar é que se permitissem transformar por completo o meu artigo – tirar, juntar, transpor – conservando a minha assinatura. É um abuso de confiança revoltante, que me indignou e me incomodou vivamente – e ainda hoje me traz maldisposto. O procedimento não tem classificação – e eu, é claro, nem por sombras me passou alguma vez pela cabeça que isto pudesse acontecer – se não em caso algum enviaria o artigo. Pelo mesmo correio escrevo ao José Graça – subdirector do Século e Ilustração – um protesto: bem sei que platónico, mas em todo o caso os meus nervos não podem deixar de fazer. É piramidal! Tratam-me como um menino de escola! E fazem-me assinar uma merda que nem faz sentido gramatical em certos períodos! Fica-me também de emenda. O mais engraçado é que me fazem isto por eu estar em Paris – senão teria ido ver as provas, como fiz com o «6.o Sentido» e o «Rodopio».

– Uma perfeita traição portanto! Peço-lhe encarecidamente a você que conte isto a toda a gente pois estou vexadíssimo por terem posto o meu nome naquela trampa! Conte a toda a gente, por amor de Deus, o mais depressa possível, sobretudo aos meus conhecidos: Santa-Rita, Pacheco, Vitoriano, Almada, Viana etc. É um grande favor que lhe fico devendo. Junto mando-lhe o meu verdadeiro artigo que poderá guardar e não me devolver, ou devolvê-lo quando entender. Verá que, embora insignificante, é – parece-me – uma coisa apresentável e, apesar da sua insignificância, escrito por mim. Se puder compare com o texto que saiu na I. P. Verá que tudo quanto tinha algum interesse foi modificado. É espantoso! Até isto «a guarda imperial, abismando-se em inferno» que transformaram para «em confusão infernal»!!!... Que pensa você de tudo isto? Compare os dois artigos e diga-me se não é um documento admirável de como na nossa maldita terra se faz jornalismo! Mas guardo um coup de théâtre para o fim: os desenhos do Ferreira da Costa também foram modificados!!!!!! Cortaram-lhe o fundo – que fazia o conjunto mil vezes mais interessante – para isso recortaram os bonecos com uma tesoura – o que se vê olhando os desenhos com alguma atenção – distinguindo-se o traço «raide» da tesoura. Mas não é tudo: acrescentaram um bocado ao pescoço da velha o que nitidamente se distingue – provavelmente por a acharem magrinha! Tudo isto é épico! O F. da Costa também vai escrever ao Graça pedindo para emendarem os seus desenhos à vontade mas para lhe não porem a sua assinatura! Mas acabemos com este assunto nojento!!!

– O que você me conta na sua carta é tudo muito interessante, e gostei imenso de o saber. O caso do rapazinho que quer pagar o Orfeu III (?) é muito simpático, adorável. Não creio entretanto que logo por sorte esse negócio se lhe realizasse prosperamente. Deus queira que eu me engane. Nada de novo a dizer-lhe. Ponto final por isso.

Adeus. Mil abraços com toda a Alma.

Escreva sempre.

o seu, seu

Mário de Sá-Carneiro

A sua carta recebida antes de ontem mas só hoje tive tempo para responder-lhe. A Ilustração Portuguesa chegou na 6.a-feira. Se o meu avô deixou dinheiro na livraria – que mo mandem já. Mil abraços em suple- mento.

O Carvalhais tinha razão mas também fez blague pois no meu artigo não se falava em mulheres violadas.

 
Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5697

Classificação

Categoria
Espólio Documental
Subcategoria
Correspondência, Poesia

Dados Físicos

Descrição Material
Tinta preta sobre papel liso e sobrescrito.
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
1915 Dezembro 27
Notas à data
Inscrita.
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Fernando Pessoa
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Bom
Entidade detentora
Biblioteca Nacional de Portugal
Historial

Palavras chave

Locais
Paris
Palavras chave
Orpheu, Futurismo, Modernismo
Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Exposições
Itens relacionados
Esp.115
Bloco de notas
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.