Paris – Dezembro 1915
Dia 12
Meu Querido Amigo,
Morro de saudades de receber uma carta sua! Oxalá a tradução tenha acabado a estas horas!! Antes de mais nada: viu a última Ilustração Portuguesa? Se a viu, rebentou por certo à gargalhada: vem com efeito lá uma página anunciando o n.o de Natal onde figuram os retratos dos colaboradores: Júlio Dantas, Augusto de Castro etc. e... Mário de Sá-Carneiro, o homem do Orfeu! É fantástico! E podemos presumir que o nosso Dantas não deve achar a coisa muito bem... Confesso-lhe que fiquei contente pela piada infinita que o caso tem. No n.o de Natal você lerá o artiguelho para o qual já de há muito lhe pedi perdão embora, de envolta com muito lepidopterismo pataqueiro, haja lá vislumbres de sensacionismo.
– Ainda sobre a nossa escola: Sabe que se representou aí no Nacional uma comédia do Chagas Roquete (que creio caiu plenamente) onde um personagem principal era amanuense... e poeta futurista. Está a ver: a influência Órfica no caso... A peça chamava-se: D. Perpétua que Deus haja. Se quiser saber detalhes, indague-os.
– Guisado: se ele está mal quase comigo e não com você é que o motivo não é o mesmo. Com efeito por política, foi você que mais o ofendeu – que mais longe foi contra o democratismo – sendo pelo contrário eu o signatário da carta-desmentido. Logo o homem está mal comigo por outra razão: Será pela minha falta de honestidade – isto é por não ter dado contas do Orfeu? Não vejo, com franqueza outro motivo. Se é assim você sabe meu querido Fernando Pessoa que o meu Pai pagou à tipografia 570 000 réis. 250 000 foram do Céu em Fogo: logo 320 000 dos dois n.os do Orfeu. Assim se o Guisado me exprobara pela minha «indelicadeza» neste sentido era bom que você que está ao par disto e do dinheiro que se apurou da venda dos dois n.os lhe fizesse ver que, se eu apresentasse contas àquele que contribuiu com 12 000 para a revista – era só para lhe pedir mais dinheiro... Francamente se o Guisado está indisposto por este motivo, tem imensa graça, imensa!...
(dos Orfeus 2 venderam-se 600 = 120 000 réis.
Do n.o 1; 450 = 95 000: total – igualemos a conta – 220 000 réis, para 320 000, há um déficit de 100 000 réis. Isto dito «grosso modo»).
– Junto vai um soneto. Diga o que lhe parece. Hesitei em chamá-lo «Soneto de Amor» ou – como vai – «Último Soneto». O que acha preferível. Diga-me também, não se esqueça, como pontuaria estes versos... «se deixaste a lembrança violeta que animaste, onde a minha saudade a cor se trava», sendo «onde a minha saudade» etc. complemento do verbo «deixaste» a minha dúvida é se será preferível pôr apenas uma vírgula em animaste, ou meter entre vírgulas a frase, que animaste. É uma coisa mínima, mas não deixe de mo dizer.
– Quanto à livraria: que me mandem o dinheiro directamente se o meu Avô, a quem pedi 75 frs. adiantados – lá porventura não foi recebê-los (ou receber toda a importância mesmo). Fale com o Augusto a este respeito. Não se esqueça de me dizer se lhe chegou afinal a minha carta de 27 com os poemas. E faça o impossível por me enviar um relatório.
Fico ansioso e conto consigo.
Mil abraços
do seu, seu
Mário de Sá-Carneiro
escreva!
O melhor para evitar complicações é pontuar-me, segundo você, todo o último terceto.