Virtual Archive of the Orpheu Generation

Mário de Sá-Carneiro

The Virtual Archive of Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), modernist poet, includes his correspondence, notebooks, manuscripts and published work during his lifetime. Most of these documents were gathered by François Castex, French intellectual, and are kept at the National Library of Portugal. Also included here are letters sent by the author to his great friend Fernando Pessoa.

The full documents can be found in the 'PDF' box and the manuscripts have been transcribed in the 'Edition' box. 

 

 

Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/6_68
Esp.115/6_68
Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta enviada de Paris, no dia 12 de dezembro de 1915. 

 

 **

 

Paris – Dezembro 1915

Dia 12

Meu Querido Amigo,

Morro de saudades de receber uma carta sua! Oxalá a tradução tenha acabado a estas horas!! Antes de mais nada: viu a última Ilustração Portuguesa? Se a viu, rebentou por certo à gargalhada: vem com efeito lá uma página anunciando o n.o de Natal onde figuram os retratos dos colaboradores: Júlio Dantas, Augusto de Castro etc. e... Mário de Sá-Carneiro, o homem do Orfeu! É fantástico! E podemos presumir que o nosso Dantas não deve achar a coisa muito bem... Confesso-lhe que fiquei contente pela piada infinita que o caso tem. No n.o de Natal você lerá o artiguelho para o qual já de há muito lhe pedi perdão embora, de envolta com muito lepidopterismo pataqueiro, haja lá vislumbres de sensacionismo.
– Ainda sobre a nossa escola: Sabe que se representou aí no Nacional uma comédia do Chagas Roquete (que creio caiu plenamente) onde um personagem principal era amanuense... e poeta futurista. Está a ver: a influência Órfica no caso... A peça chamava-se: D. Perpétua que Deus haja. Se quiser saber detalhes, indague-os.
– Guisado: se ele está mal quase comigo e não com você é que o motivo não é o mesmo. Com efeito por política, foi você que mais o ofendeu – que mais longe foi contra o democratismo – sendo pelo contrário eu o signatário da carta-desmentido. Logo o homem está mal comigo por outra razão: Será pela minha falta de honestidade – isto é por não ter dado contas do Orfeu? Não vejo, com franqueza outro motivo. Se é assim você sabe meu querido Fernando Pessoa que o meu Pai pagou à tipografia 570 000 réis. 250 000 foram do Céu em Fogo: logo 320 000 dos dois n.os do Orfeu. Assim se o Guisado me exprobara pela minha «indelicadeza» neste sentido era bom que você que está ao par disto e do dinheiro que se apurou da venda dos dois n.os lhe fizesse ver que, se eu apresentasse contas àquele que contribuiu com 12 000 para a revista – era só para lhe pedir mais dinheiro... Francamente se o Guisado está indisposto por este motivo, tem imensa graça, imensa!...
(dos Orfeus 2 venderam-se 600 = 120 000 réis.
Do n.o 1; 450 = 95 000: total – igualemos a conta – 220 000 réis, para 320 000, há um déficit de 100 000 réis. Isto dito «grosso modo»).

– Junto vai um soneto. Diga o que lhe parece. Hesitei em chamá-lo «Soneto de Amor» ou – como vai – «Último Soneto». O que acha preferível. Diga-me também, não se esqueça, como pontuaria estes versos... «se deixaste a lembrança violeta que animaste, onde a minha saudade a cor se trava», sendo «onde a minha saudade» etc. complemento do verbo «deixaste» a minha dúvida é se será preferível pôr apenas uma vírgula em animaste, ou meter entre vírgulas a frase, que animaste. É uma coisa mínima, mas não deixe de mo dizer.

– Quanto à livraria: que me mandem o dinheiro directamente se o meu Avô, a quem pedi 75 frs. adiantados – lá porventura não foi recebê-los (ou receber toda a importância mesmo). Fale com o Augusto a este respeito. Não se esqueça de me dizer se lhe chegou afinal a minha carta de 27 com os poemas. E faça o impossível por me enviar um relatório.

Fico ansioso e conto consigo.

Mil abraços

do seu, seu

Mário de Sá-Carneiro

escreva!

O melhor para evitar complicações é pontuar-me, segundo você, todo o último terceto.

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5695
Classificação
Espólio Documental
Correspondência, Poesia
Dados Físicos
Tinta preta sobre papel liso e sobrescrito.
Dados de produção
1915 Dezembro 12
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
Orpheu, Futurismo, Modernismo
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.