Identificação
Carta enviada de Paris, no dia 18 de novembro de 1915.
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Paris – Novembro 191
Dia 18
Meu Querido Amigo,
Oiça: não me largue os livreiros. Eu hoje mando-lhes dois postais. Explique bem ao Augusto – para ele, por seu turno – contar ao Monteiro, que eu preciso receber o mais dinheiro possível – todo é que era o verdadeiro – em 1 de Dezembro o mais tardar, como já lhes disse por carta. Entanto era da máxima conveniência que ele chegasse dois ou três dias antes. Explique bem isto – e diga o que se passar. Por mim nada: Vai um mundo de crepúsculo pela minha alma cansada de fazer pinos. Há capachos de esparto, muito enlameados pelo meu mundo interior. O pior é que nem ao menos sei como os hei-de secar! Sinto «material» literário com fartura no meu estado psíquico actual para novas obras. Mas falta-me toda a coragem, todo o incentivo – «o prémio» – para escrever, trabalhar. E eu não faço nada sem prémio.
Depois estou terrivelmente constipado! Escreva-me muito por amor de Deus. É uma obra de caridade. Se ao menos o Franco aparecesse... Preciso tanto de alguém!
E o C. Ferreira é um óptimo rapaz – tenho agora visto – mas não é mais nada. O sr. F. da Costa – carbonário pleno. Nem mesmo isso: a áurea mediocridade em todo o seu esplendor. Raios partam tal malandro! Amanhã vou passar o dia com ele...
– A propósito – isto é, como sempre, a despropósito – fale-me do Guisado. É criatura ainda tratável? Fez versos em Mondariz? Eu poder-lhe-ei escrever? Informe-me a este respeito. Eu, por mim, gostava muito de lhe escrever, mas não sei o que ele tem contra mim, nem as intenções em que está! Informe-me você com toda a franqueza. Sabe bem que o Guisado será sempre para mim o admirável Poeta e o excelente rapaz toldado de Burguesia. Não hesite pois em responder-me a esta simples pergunta: – Posso à vontade escrever ao Guisado – ou é melhor não o fazer? Compreende que não estou disposto a receber dele uma carta diplomática...
Adeus, meu querido amigo.
Não me largue os livreiros – e escreva sempre o mais possível!
Um grande abraço de toda a minha alma
o seu seu
Mário de Sá-Carneiro
Vou talvez escrever uma poesia que começa assim:
– Ah, que me metam entre cobertores,
E não façam mais nada...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada –
Que não se abra mesmo para ti, se tu lá fores...
Lã vermelha, leito fofo, ar viciado –
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira:
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos d’ovos e uma garrafa de Madeira...
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[É verdade, lá vai um poema duma quadra]
O Pajem
Sozinho de brancura eu vago – Asa
De rendas que entre cardos só flutua...
Triste de mim que vim de Alma prà rua,
E nunca a poderei deixar em casa...
Paris – Nov. 1915
M. de Sá-C.