Virtual Archive of the Orpheu Generation

Mário de Sá-Carneiro

The Virtual Archive of Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), modernist poet, includes his correspondence, notebooks, manuscripts and published work during his lifetime. Most of these documents were gathered by François Castex, French intellectual, and are kept at the National Library of Portugal. Also included here are letters sent by the author to his great friend Fernando Pessoa.

The full documents can be found in the 'PDF' box and the manuscripts have been transcribed in the 'Edition' box. 

 

 

Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/6_57
Esp.115/6_57
Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta enviada de Paris, no dia 5 de novembro de 1915. 

 

 **

Paris – Novembro 1915

Dia 5

Meu querido Amigo,

 

Recebida a sua carta de 1-2 do corrente que muito agradeço. Dê mil emboras meus ao Vitoriano Braga por a sua peça ir ver finalmente os fogos da ribalta. E afirme-lhe o meu desgosto em não poder assistir à première. Mas que a minha Ideia lá estará num fauteuil da 1.a fila – e muito o irá abraçar nos intervalos aos bastidores. As minhas palmas, essas, telegrafar-lhas-ei na noite da estreia. Que belo a peça ser representada! «Alguma coisa» enfim nos nossos palcos. E o que a lepidopteria nacional e alfacinha, de colarinhos sujos na alma, vai escoucear. Ui! que função! E o Vitoriano está em Lisboa ou por Alhandra? Abrace-o muito e que lhe vou escrever breve.

– O que diz do Leal, curioso e certo, creio. É muita pena que o rapazinho seja um pouco Orfeu de mais. Picaresco o Santa-Rita estudado como vulto da nova geração. Claro que ele, só ele, a induziu a fazer todo o livro para ser «estudado» – creia, um dos ideais mais acalentados por o nosso Pintor. O Viana simultanista da última hora tem também graça às pilhas: ele, o clássico, mais – o primitivo, que desertara até do impressionismo, sua primeira fase... simultanista – isto é: quase cubista! Interessante este lepidopterismo numa criatura entretanto, creio, de muito valor profissional (faça atenção: digo: muito valor profissional). E que raio de ideia será essa dos Delaunay eternizados «chez nous»?... Mas há o seu quê de Europa nisto tudo. Tanto melhor...

Quanto a ataques meus para o Jornal, nada, normalmente, farei nesse género. Incidentalmente talvez (há já até a quadra da «Serradura»). Mas você, homem, chegue-lhes. O Ribeiro Lopes, muito a aproveitar. Provinciano e democrático no ataque. E como ataca todos, está bem. Está certo, é preciso disso lá.

O Santa-Rita filósofo e a falar de tempos relativos e absolutos é de morrer de gozo! Claro que o Leal anda na história. Mas não deve ter escrito nem ditado o texto. Deve ter falado. E o nosso pintor confusionado, temperado, condimentado. Admirável!

De mim: todo o meu estado psicológico nesta quadra duma poesia que não escreverei:

As duas ou três vezes que me abriram

A porta do salão onde está gente –

Eu entrei, triste de mim, contente,
E à entrada sempre me sorriram...

 

Quadra que só lhe será percebível se você a interpretar, supondo-lhe uma continuação – de acordo com o Sá-Carneiro que o meu amigo tão bem conhece... Ai, mas porque raio, de vez, não me meterei eu para sempre na cama a ler um almanaque!

Se o pequeno do tal livro com influência sensacionista fez alguma coisa de interessante, encomende-me o folheto na livraria. Mas só se, por qualquer lado, for interessante. E a revista Santaritapintoresca? Foi chão que já deu uvas – hein? Soneto antológico Guisado agora não tenho. Farei talvez se fizer. Não tenho nada com isso mas acho restrita a ideia de só publicar sonetos. Acho mesmo um pouco tolo.

É pena – porque a ideia em si é óptima.

Sobre influências sensacionistas: bastantes numa carta literária que recebi muito recentemente do Rodrigues Pereira que estuda para sargento em Coimbra. Lembra-me textualmente esta (mais «Sá-Carneiro» talvez, do que sensacionista): Vá a tal bar de Montmartre «compre cocaína e quebre os espelhos do tecto». Não pareço eu dos últimos versos que lhe enviei?

Não deixe de pedir ao Pacheco que responda à minha carta. O Franco deve pois vir a Paris por todo este mês, conforme lhe contei.

Recebi um postal do Augusto a quem você agradecerá. Quanto a negócios de livraria. Você já sabe: preciso de receber o dinheiro no começo de Dezembro.

O mais possível. Todo: é pouco. Hélas!...

Mil abraços de Alma.

Escreva sempre.

o seu, seu
Mário de Sá-Carneiro 

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5684
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre papel liso timbrado ("Le Cardinal") e sobrescrito.
Dados de produção
1915 Novembro 5
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
Orpheu, Futurismo, Modernismo
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.