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Fundo
Mário de Sá-Carneiro
Cota
Esp.115/6_55
Imagem
Carta a Fernando Pessoa
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Autor
Sá-Carneiro, Mário de

Identificação

Titulo
Carta a Fernando Pessoa
Titulos atríbuidos
Carta a Fernando Pessoa
Edição / Descrição geral

Carta enviada de Paris, no dia 29 de outubro de 1915. 

 

 **

 
Paris – Outubro 1915 
Dia 29

Meu Querido Amigo,

 

Já estava com cuidado. Habituado a receber notícias mais duma vez por semana, seguramente há 10 dias ou mais que não recebia nada seu – quando, particularmente, no seu último postal você me anunciava uma carta para o dia seguinte. Rogo-lhe que faça todo o possível para evitar estes longos períodos de silêncio. Quando nada me tenha a dizer, mande-me saudades num postal. Sim? Eu faço o mesmo.

Recebi pois hoje o seu bilhete de 24 que muito agradeço. De mim nada de novo. Eu não sei se terá aparecido na Ilustração Portuguesa uma «saloperie» minha a acompanhar uns mamarrachos do pintor Ferreira Cardona, digo: Ferreira da Costa*.

Você perdoe-me! Mas o homenzinho pediu-me muito, eu não gosto de negar – e depois se me dou com ele, é que se o seu atelier não é ultraconfortável e moderno como o do Manuel Lopes (da «Ressurreição») – é em todo o caso vasto e quente. Mas há mais: o homem do Orfeu a assinar artigos na Ilustração ao lado do colega Dantas tem muito chiste, pois não tem? Será descer – mas é com pilhéria. E no escrito há no entretanto: «horas granates», «legiões guturais», «cristal e asas», «timbrados a oiro», vários itálicos psicológicos etc. – embora a ensemble droguista, principalmente atendendo ao nome que a assina. Queira Deus no entanto – e anima-me muito essa esperança – que o escrito tenha sido interdito pelo J. M. de Freitas (como-que-director da I. P.) devido ao nome indecoroso que o assinou. Oxalá. Mas no caso contrário você perdoa-me. Pois não é verdade que me perdoa?

(Lembre-se que também tem culpas no cartório! Eh! Real!... por exemplo...)

Escrevi ao Augusto dizendo-lhe desnecessário enviar-me os 50 francos que pedira há dias. Com efeito estava a ver que com o dinheiro às mijinhas não conseguia nunca comprar os artigos de vestuário que necessito tanto. Felizmente apareceu aqui o Carlos Ferreira com muito dinheiro. Assim ele emprestou-me 150 francos cujo pagamento só precisa dentro dum mês. Deste modo comprei o que tinha a comprar e torna-se desnecessário a livraria enviar-me já o dinheiro. É imprescindível porém que mo envie em maior quantidade (pelo menos 100 francos) no fim do próximo mês de novembro. Explique isto bem ao Augusto. Comece já a maçá-lo: ele é um santo, de resto! Pode-lhe mesmo mostrar esta carta. Eu creio (segundo a carta que em tempos você me enviou) ter ainda na livraria uns 40-50 mil-réis. Já lhe explico como:

Activo:
400 Orfeus vendidos em Lisboa                  84 000
100 Orfeus província (hipótese)                 21 000
Saldo venda C. em Fogo: mais do que        10 000

115 000

Passivo:
Conta devida na Livraria                          50 000 
50 francos enviados este mês                  15 000

 65 000

a meu favor 50 000 réis.

 

Você dizia-me com efeito que o Augusto o informara que eu devia na casa não mais do que 45 000 réis. 5000 a mais é o importe dos livros que depois mandei vir. Oxalá não me engane. Enfim veremos. Mas seja como for pelo menos 100 francos (30 000 réis) há-de lá ter – e isso é que é o mínimo imprescindível de que eu necessito receber no fim do mês. Se houvesse alguém que comprasse o saldo dos Orfeus (guardando você quantos exemplares quisesse, por exemplo 40) mesmo a 10 réis acho que valia a pena pois para nada servem em armazém. Fale ao Augusto a este respeito também, não se esqueça. De resto brevemente lhe escreverei repetindo-lhe tudo isto. Perdoe-me tantas maçadas e tão antipáticas. A eterna miséria!!... Mas não se esqueça de me informar a este respeito, não?

Novidade gratíssima: o Carlos Franco escreveu-me dizendo que vai muito brevemente chegar a Paris com 6 dias de licença. Será para mim, como calcula, um grande prazer, todo a ouro, pois vou falar com uma Alma, o que não me sucede desde que me despedi de você na gare do Rossio. O pintor Costa – ui! que lepidóptero. Agora o Carlos Ferreira, pobre diabo, intrujão inofensivo, bom rapaz – e que – perdoe-me a infâmia – caiu como sopa no mel a emprestar-me os 150 francos... É triste o egoísmo da vida... Mas não tenho razão?...

Adeus, meu querido Amigo. Perdoe-me esta carta antipática em todo o sentido e não se esqueça de me responder ao que nela lhe peço.

Um grande abraço de toda a alma

o seu seu Mário de Sá-Carneiro

O C. Ferreira – que fala de você com uma ardente simpatia, e isto é já uma superioridade – sabendo que eu hoje lhe devia escrever pediu-me esta manhã para lhe enviar muitas saudades.

 

* Este engano propositado de nome encare-o como uma descrição psicológica.

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5680

Classificação

Categoria
Espólio Documental
Subcategoria
Correspondência

Dados Físicos

Descrição Material
Tinta preta sobre papel liso timbrado e sobrescrito.
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
1915 Outubro 29
Notas à data
Inscrita.
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Fernando Pessoa
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Bom
Entidade detentora
Biblioteca Nacional de Portugal
Historial

Palavras chave

Locais
Paris
Palavras chave
Orpheu, Futurismo, Modernismo
Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Exposições
Itens relacionados
Esp.115
Bloco de notas
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.