Meu Querido Fernando Pessoa,
Recebi ontem a sua carta de 12 e seu postal de 13 que muito agradeço. Também recebi o seu postal de 11. Muito curioso o que me conta na carta mas perfeitamente compreensível, normal. Que o Montalvorzinho ficara de «orelha» murcha comigo após a descoberta da gatunice, visualmente o percebi. Santa-Rita Pintor é de há muito um meu inimigo íntimo. Nem pode perdoar cena do Montanha nem Confissão de Lúcio – e muitas outras pequeninas coisas, mesmo aqui de Paris durante o nosso convívio. Vem de longe o fel. Mas contra você também ele existe supinamente. Assim o coup, não tenha dúvida é, pelo que diz respeito ao Pintor, tão montado contra mim como contra você. E o que ele acima de tudo nos não pode perdoar é a «Estrela» que o seu génio falido se vê obrigado – entanto por ser génio falido – a reconhecer-nos. E isto já é ser, hein?, benévolo para com o Pintor.
De resto a minha vitória é íntegra pois nem um ou outro me prejudicam ou amofinam. Só me amofina não ter dinheiro. E disso não são eles os culpados – hélas! Se a malandrice for flagrante, se fizerem um n.o 3 do Orfeu, por minha parte farei publicar no Século uma declaração sucinta – três linhas – que no entanto porá tudo em pratos limpos. E nem cinco minutos me incomodam. Talvez logrem mais enfrentá-lo a você, pela sua maneira «a sério» de encarar a vida. A mim... Ai, meu querido Fernando, tenho tantas mais coisas a lastimar, pequeninas dores íntimas, ausências vagas, saudades impossíveis... Meu Deus, meu Deus, que ingénuos bandalhos! Raios os partam, em todo o caso... Agora há uma coisa com que é preciso a máxima cautela: se eles vão ter o desplante de pôr na rua um real n.o 3 do Orfeu nós não podemos colaborar: isso seria dar o nosso tácito consentimento. Por minha parte nada me importo de negar cara a cara a colaboração, na dúvida. Você deve fazer outro tanto – mesmo numa quebra de relações. Todos os seus esforços devem orientar-se em de qualquer modo averiguar o que é que eles vão fazer – que original de frontispício se está a imprimir. Não se fie em palavras. O Santa-Rita é capaz de dizer uma coisa – e à última hora aparecer outra, quando já não tiver remédio. A máxima cautela é pouca. Precisa estabelecer um serviço de espionagem. O Júlio de Vilhena parece-me estar indicado como chefe. Repare bem na importância disto: nós podemos e devemos colaborar mesmo no 3 mas de forma alguma no Orfeu n.o 3. A propósito: parece-me melhor dar apenas para a revista – que, apesar de tudo, ainda considero hipotética – o «Lord», a «Escala» e o «Abrigo» poesias sérias, nada irritantes. Assim parece-me ser, para nós, a melhor táctica. Não é você desta opinião? Pense bem – e, decididamente, de mim, dê só estas. É tramá-los um pouco. E ponto final sobre este nojento – mas hilariante – assunto. Como nós estamos acima de tudo isto! Que dor nas costas de nos devermos curvar tanto para remexer este lixo... Entanto você vá-me informando dia a dia do que houver. A propósito: eu também conheço o Faustino da Fonseca, posso-lhe escrever sobre o assunto se for necessário. Ponto final, decididamente.