Identificação
Carta enviada de Paris, no dia 16 de outubro de 1915.
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Paris – Outubro 1915
Dia 16
Meu Querido Amigo,
Apenas ontem às 3 da tarde recebi a sua carta de 9. Do Santa-Rita nada por enquanto me chegou. Que terrível trapalhada. Raios partam o Pintor! Tenho pena de você pelas estopadas de que vai sendo vítima – e tem mil razões no que diz a respeito do tédio, de ser necessário abordar, meter-se em contacto com tais mesquinhezas de alma! Não seja ingénuo: é claro que o caso Metzner é o Santa-Rita em manobra. Não tenha a mínima dúvida a este respeito. O 3 – disparate-malandrice genial, lá isso não posso negar! E é claro que tudo isso tem graça às pilhas porque nós nunca ficaremos comidos (que são os desejos e o termo do Santa-Rita). Colaboração: Dê as minhas poesias que entender. Mas acho preferível dar a «Serradura», «Cinco Horas», e «Abrigo» (e «O Lord»).
Assinarei assim (se você concorda):
Mário de Sá-Carneiro
Director de Orfeu
Se você não acha bem, e acha preferível pôr Poeta sensacionista, cabalístico, mefítico, interseccionista, opiado etc. – para mim é-me indiferente. Proceda como quiser. No entanto parecia-me bem fazer assim pois marca a individuadidade do Orfeu. Acho mesmo que você devia também pôr sob o seu nome o mesmo dístico: «Director de Orfeu». É consigo. Agradeço-lhe pela piada – o que disse ao Leal sobre a imortalidade do Pintor. Ri às bandeiras despregadas. Que sorte sem nome o Pintor deu por certo – se o Leal lhe contou, o que duvido, pois o Leal parece-me leal... Concordo opiparamente com a declaração assinada «comité redactorial de Orfeu» Sá-Carneiro, Pessoa, Pacheco, Almada. Tem espírito às carradas. O Pacheco decerto anuirá. Rogue-lhe também em meu nome. Nada que desculpar os proprietários do Orfeu, eu e você. Com o Santa-Rita todo o cuidado é pouco: tome a máxima cautela, ele há-de por força querer falsificar o Orfeu! Por mim tomo tanta cautela que pelo mesmo correio envio a seguinte carta:
Ex.mo Sr. Miguel Saraiva Tipografia do Comércio
10 Rua da Oliveira ao Carmo Lisboa
«Tem esta o fim de prevenir V. Ex.a que se alguma pessoa se dirigir a sua casa invocando o meu nome para a impressão duma revista o faz sem minha autorização. Assim V. Ex.a dever-lhe-á recusar todo o crédito. Escrevo-lhe esta carta pois de Lisboa me previnem que isto pode suceder – a fim de pôr a salvo toda a minha responsabilidade. Sem mais, etc.»
– Com efeito, como do Santa-Rita espero tudo lembrei-me que ele poderia ir à Tipografia invocando até o meu nome, para obter crédito. Sei lá. Rogo-lhe até que se lhe constar alguma trapalhada pela Tipografia do Comércio vá lá procurar o Ex.mo Sr. Miguel Saraiva, servindo-lhe esta carta de credenciais. Compreende bem o grave que era se o Santa-Rita fosse lá fazer o 3 à custa do meu Pai – dizendo até, sei lá, que aquilo era o n.o 3 do Orfeu. Se porventura o 3 se fizer – o que apesar de tudo não creio – você tenha olho em que a numeração das páginas comece em 1 e em que os nossos nomes sejam seguidos das qualidades que indicamos. Olho bem vivo! – É claro que era óptimo que as plaquettes saíssem. Mas parece-me bem difícil a não ser que o Almada se encorajasse. Acho que você não deve sacrificar os 10 000 réis do Pinto. Uma simples declaração num jornal, no Diário de Notícias mesmo só, paga como anúncio, basta para pôr as coisas nos devidos termos. Não há razão nenhuma para você fazer favores dessa ordem ao Almada. Rogo-lhe que pense bem nisto. É desnecessário, para manter a individualidade do Orfeu – creia – mesmo que a malandrice do S. R. seja total. E esse sacrifício competir-me-ia bem mais a mim do que a você, se fosse necessário. Entanto confesso-lhe que não posso ceder nenhuma quantia do dinheiro que ainda tenho na Livraria para este fim. Preciso comprar várias coisas de vestuário, entre elas um sobretudo e só posso para isso contar com esse dinheiro. Você compreende pois bem a impossibilidade e desculpa-me. Rogo-lhe muito. Envio-lhe ao mesmo tempo outra carta do meu Pai. Veja bem o que ele é. Por essa carta verá que a conta da tipografia já está paga. Numa outra recebida ontem meu Pai repete-me que fique por aqui... e que África não é terra para mim, só talvez Joanesburgo, se eu soubesse perfeitamente inglês. É por uma questão psicológica que lhe envio a carta do meu Pai – que você devolverá – e lhe conto isto. É extraordinário a superioridade e a bondade do meu Pai. E isto é para mim, além de tudo, um orgulho infinito. Você compreende-me, não é verdade? – Diga ao Augusto que se não esqueça de apurar as contas do Orfeu e de me enviar o resultado definitivo, o mais breve possível. Não esqueça de me informar do que houver a este respeito. Creio que a nenhuma coisa importante deixei de lhe responder. Fico ansioso à espera de mais detalhes da affaire.
Mil saudades e um grande abraço de toda a alma.
O seu, seu
Mário de Sá-Carneiro
Não se esqueça do caso da Livraria, contar-me a resposta do Augusto.
Olho vivo no Pintor!
Escreva!