Europeiamente carimbada com o selo da autoridade militar que em Bordéus a abriu recebi hoje a sua magna-carta. Em primeiro lugar quero-lha agradecer vivissimamente. Foi uma querida meia hora que passei lendo as suas páginas. Quem me dera ter todas as semanas uma carta assim. E ela veio-me dispor tão bem quanto eu – na minha eterna desolação – posso estar bem-disposto tanto mais num dia de plena e grande constipação. E você sabe que uma destas macacoas é em mim uma verdadeira catástrofe. Vai-me perdoar até esta carta que será uma rápida e essencial, meramente essencial, resposta ao seu supremo relatório. Em primeiro lugar: não aceito as suas desculpas quanto ao dispor dos n.os do Orfeu nem tão-pouco compreendo o espanto que lhe causa a «liquidação». Liquidação significa muito simplesmente que é tempo de se ver quantos Orfeus há vendidos – e de eu receber a importância da venda: de que já falei ao meu pai – conforme julgo ter-lhe dito. Os exemplares não vendidos para que os quero? Disponha você de quantos, mas inteirammte de quantos entender. Quando o Céu em Fogo o pagaram a 40 rs. o exemplar – nem 10 réis estou certo dariam pelos Orfeus. Repito por consequência que estranhei deveras a sua pergunta. E faça o que quiser dos Orfeus. As sobras ficam na livraria às suas ordens – peço-lhe o favor de dizer isto ao Augusto. Bem entendido se alguém as comprasse mesmo a 10 réis, podiam-se vender. Mas isso não urge de maneira alguma. Disponha pois de quantos Orfeus quiser. – O Santa-Rita deveras é um grande maçador. Estou farto de o aturar aqui com a questão do Orfeu. Hoje vai uma carta para você ler e que chegou hoje mesmo. Aí já está disposto a que você dirija inteiramente a revista: ele só tem interesse em publicar os seus bonecos e do Picasso. Em primeiro lugar isto é uma chuchadeira pois eu não creio de forma alguma que o Santa-Rita vá pagar o Orfeu mesmo para publicar os seus bonecos: tanto mais que o conheço bem em questões de dinheiro: aí perfeitamente normal, tocando a economia quase. Nada o meu género ou Pacheco. O contrário até, quase. Que hei-de eu responder ao Pintor? Olhe, continuo a dizer-lhe que sim e mais que também – que se entenda com você: que eu não quero fazer o Orfeu – e que ele é meu e de você, unicamente. Você mande-o para o diabo. Mas se em todo o caso ele verdadeira e seriamente oferecesse pagar o Orfeu deixando inteiramente a direcção literária a seu cargo? Nem mesmo que isto se desse, julgo viável o plano. Mas você decidiria. Por mim devo-lhe dizer que por uma carta que escrevi ao meu Pai não posso figurar como director do Orfeu. Há o seguinte: Orfeu saindo com o meu nome dificilmente o meu Pai acreditará, nos 1.os instantes (que para Lourenço Marques são 30 dias) que a parte monetária não é ainda sob a minha responsabilidade. Assim, em inteira franqueza, eu preferiria que durante dois meses não saísse a revista. Depois, já o caso era diferente. Não me alongo sobre o assunto que me irrito. Atravesso de mais um período de grande tristeza, de melancolia branca de não sei que saudade irrealizável. O que quero é que me deixem em paz.
Mande-me o Santa-Rita para o demónio. Quanta à ideia das circulares e da publicação das plaquettes – acho-a óptima, dado que se possa realizar... óptima era também a publicação das plaquettes inglesas. Mas se o seu amigo não tem dinheiro... Sempre a eterna humilhação!
– Fez muito bem em registar o nome da revista. Malandros! Malandros Rita, Montalvor & C.ia O caso do brasão sobre o Montalvor é puramente admirável: calino em calendário de desfolhar. Interessou-me muito a história verídica de M. de Montalvor em terras brasileiras.
– Genial a forma de publicar o Arco de Triunfo. Anúncios, muitos anúncios: amostras de papel de Arménia (para defumar) cartões embebidos em perfumes que anunciem, amostras de fazendas até, se possível. Os bónus ideia do Pacheco, admirável.
– O que porém na sua carta me fez mais rir são as últimas notas «Coisas fantásticas»: Sobretudo o Numa-larápio-de-sobretudos-da-Escola-Médica (que complexidade!) e o Ramos pensando na licença antes de ter o emprego. Quanto à sua partida para o estrangeiro está certo: aquela gente sempre confundiu o Carneiro, o Pessoa e o Campos. Não lhe parece?
E eu estou em Paris – fugido: apenas não fugido por sensacionismos... Oxalá assim fora... Termino suplicando mil desculpas por esta carta tão reles em resposta à sua admirável – e pedindo que não descure assunto massas livraria.