Virtual Archive of the Orpheu Generation

Mário de Sá-Carneiro
Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/6_43
Esp.115/6_43
Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta enviada de Paris, no dia 18 de Setembro de 1915. 

 

 **

 

Paris – Setembro de 1915

Dia 18

Meu Querido Amigo,

 

Recebi os seus dois últimos postais: um antes de ontem – hoje o outro. Eu propriamente não atrasei a minha correspondência: motivo único duma série de dias sem lhe escrever: por durante eles também não chegarem notícias suas. Com efeito o correio ultimamente tem andado muito atrasado. Não imagina a pena que me fizeram os seus postais... Que lindo Orfeu 3 podíamos fazer! Que desgraça tudo isto! E o desgosto que com esta desilusão você sofreu. Juro-lhe, em inteira sinceridade que é isso o que mais me preocupa. Os seus poemas em inglês, os geniais «irritantismos» do Almada, o nome do António Bossa – e a minha série de versos com a «Serradura» à frente tão embirrenta e desarticulada... Não calcula a pena que eu tenho – pena pessoal, esta – de não poder publicar a minha série das 7 Canções, da «Serradura» e das duas poesias que hoje lhe remeto! Com efeito – não sei se já reparou – sem serem importantes, de primordial importância, elas – em conjunto – parecem-me ser novidade na minha obra. Novidade de pouca importância – bem entendido. Peço-lhe a sua opinião sobre os dois poemas que hoje lhe envio. O «Abrigo» é a sério. Acha bem aí o meu Paris? Não se esqueça de me dizer. Agora sobre a «Serradura»:

a) emendei a quadra que lhe desagrada assim:

ou:

O raio já bebe vinho,

Coisa que nunca faria,
E fuma o seu cigarrinho...

– Em plena burocracia!...

 

E fuma o seu cigarrinho

Em plena burocracia...

 

Que lhe parece preferível? (O «E» pode também ser substituído por outro «Já».) A quadra em si não a elimino porque quero precisamente dizer o que nela digo. São com efeito «concessões» à normalidade o facto de hoje fumar e substituir aqui, frequentes vezes agora, a cerveja pelo vinho branco. Tudo isto é doentio – mas certo...

b) Aproveitando a poesia para os Indícios de Ouro devo eliminar a quadra do Dantas, não é verdade?

Perdoe-me a miudeza das perguntas, mas não deixe de responder a elas. E perdoe-me, sobretudo, ainda ter coragem para lhe mandar «literaturas» depois do nosso desgosto. Inevitável de resto, como por certo você concorda. Desculpe-se a todos comigo, repito. E resignemo-nos. Não se zangue comigo, suplico-lhe! Nada mais lhe tenho a dizer, meu querido Fernando Pessoa. Renovo todos os meus pedidos, todos os meus agradecimentos e todos os meus perdões com um grande abraço de toda a alma.

e mil saudades do seu, seu Mário de Sá-Carneiro

P. S. – Escreva-me, por amor de Deus.
Diga o que pensa sobre os versos de hoje.
O C. Ferreira não me escreveu. De resto ele dizer que vem a Paris

para o próximo mês, não quer, de facto, dizer que não venha mas de modo algum significa também o contrário... Amanhã dia trágico: «uma hora de música» no atelier do pintor-cantor Ferreira da Costa. Parece-me que vou adoecer dos intestinos...

Mil abraços

MSC

Como se escreve «Mansanilha»? Não se esqueça de me dizer. Nem tenho a certeza se é mansanilha ou massanilha...

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5670
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre folhas quadriculadas e sobrescrito.
Dados de produção
1915 Setembro 18
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
Orpheu, Futurismo, Modernismo
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.