Virtual Archive of the Orpheu Generation

Mário de Sá-Carneiro

The Virtual Archive of Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), modernist poet, includes his correspondence, notebooks, manuscripts and published work during his lifetime. Most of these documents were gathered by François Castex, French intellectual, and are kept at the National Library of Portugal. Also included here are letters sent by the author to his great friend Fernando Pessoa.

The full documents can be found in the 'PDF' box and the manuscripts have been transcribed in the 'Edition' box. 

 

 

Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/6_40
Esp.115/6_40
Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta enviada de Paris, no dia 31 de Agosto de 1915. 

 

 **

Paris – Agosto 1915

Último dia

 

Meu Querido Amigo,

 

 

Recebida hoje a sua carta de 28. O correio agora está um amor... Concordo intensamente com tudo quanto você diz do Orfeu III. Claro que imprescindível o nosso Engenheiro – e vincadamente pelas razões que aponta: Capital, etc. O Numa... uma vez que o meu caro Fernando Pessoa se responsabiliza. Sabe bem a confiança completa que tenho em si. Portanto... E tem uma vantagem: o recorde do cosmopolitismo: preto português escrevendo em francês. Acho óptimo. Faltavam-nos mesmo os artistas de cor. Assim fica completo. O Bossa: é preciso falar ao Almada Negreiros introuvable agora por você. A colaboração do Bossa urge obtê-la, mesmo por fraca. O limite da fraqueza, deve ser a novela do Dr. Leal inserta no Orfeu 2. Daí para baixo nem... nem poemas interseccionistas do Afonso Costa. Mas até aí – que se não perca a colaboração do Bossa. Procure pois desenhador Almada Negreiros.

(Nota: A colaboração do Bossa – segundo ele vagamente me disse – são poemas em prosa, à Wilde.) O homenzinho militar de Portalegre acho melhor também guardá-lo por enquanto na gaveta. Deve ser muito «didáctico» pelo que você diz. Eis pelo que segundo a sua carta eu vou estabelecer o sumário do Orfeu III

 
 

Fernando Pessoa – Poemas
Álvaro de Campos – «A Passagem das Horas»
M. de Sá-Carneiro – «Para Os Indícios de Oiro», II série Numa de Figueiredo – «Pilhérias em francês» António Bossa – «Pederastias»
Albino Meneses – «HZOK»
Almada Negreiros – «Cena do Ódio»

15 páginas 15 páginas 10 páginas

5 páginas

8 páginas 10 páginas 10 páginas

15 + 15 + 10 + 5 + 8 + 10 + 10 = 73

São bastante escritos ao acaso a maioria destes números. No entanto como os seus versos são de estende e encolhe as probabilidades no geral devem ser estas: vemos o n.º feito – que só deve ter 72 páginas, pelas condições que já lhe disse. Nota: o n.º abunda em prosa. Não faz mal por um lado – visto os outros serem quase todos de verso. Mas se se perguntasse ao Montalvor? (A propósito: nunca mais o viu?) Ele falava numas Canções do Narciso, Adónis ou o Raio Que o Parta que estavam muito adiantadas. A este respeito proceda você como entender. A minha colaboração será definitivamente os meus versos – pois não vou agora escrever o «Mundo Interior» de afogadilho, claramente. Pus dez páginas, pois os meus versos talvez as ocupem porque são muitas quadras. Se não ocuparem 10, ocupam decerto 8. (Ainda tenho uma poesia inédita, fraca, mas que em necessidade se poderia imprimir: o «Não». Recorda-se?) Coisa muito importante: antes de escrever ao Augusto sobre a execução material do Orfeu, trate você de averiguar em seu ou em meu nome quantos Orfeus 2 se venderam. É muito importante saber isto. Você pode perguntar como coisa sua ou dizer que fui eu que – apenas por curiosidade – lhe mandei perguntar de Paris. Mas o n.º quase certo. Não se esqueça disto e com urgência. O n.º 3 do Orfeu deve entrar no prelo, o mais tardar, nos primeiros dias de outubro. O tempo urge por consequência. Deixo isto ao seu cuidado. (Nota: Satisfaz-me muito os nomes novos, nem menos do que três. É preciso adquirir a certeza: da colaboração Bossa, única incerta. Não deixe de averiguar Orfeus II vendidos.)

No caso do panfleto Campos1 contra Aragão sair acho muito bem a forma de assinar «Director de Orfeu» e anunciar a Revista pelas costas. Acho magnífica e justa a sua ideia. Tive a infelicidade de comprar o Século anunciando a chegada do herói – e quando li que o HERÓI gritara da janela do ministério do Interior um «Viva a República! Viva a Guerra!!» entornei o copo de café no vestido branco da ideia duma inglesa «tombée en enfance» que não estava a meu lado... (Muito chocha esta intersecção...)

Entretanto, meu querido Fernando Pessoa, a nossa «camaradagem republiqueira» não merece esses gestos. E, numa palavra, perdoe-me a franqueza: por comodidade gostava mais que você não publicasse o filme.

Deitar pérolas a porcos. Note que a ideia em si acho-a admirável. Se eu fosse rico, você estava aqui em Paris comigo. E então eu lhe editaria, para Lisboa, esses e outros sensacionismos. Não deixaríamos descansar o João Borges!... Assim, não sei. A renúncia parece-me melhor. E desculpe-me falar-lhe assim.

Interessantíssimo e Europeu o caso «Teixeira-você-sendo-lhe-apresentado-como-Director Orfeu-e isso-para ele-recomendação» – Seria tão bom se domesticasse o Homem... Perturbadoramente interessante o Horóscopo Orfeu, derivado dos nossos dois. É na verdade incrível! Muito agradecido pelo que me diz da «Novela Romântica». É provável que brevemente a comece a escrever – mesmo muito provável pois estou com saudades de trabalhar numa obra seguida e de enredo. Esse de mais a mais agradando-me muito. Deus queira que tenha forças para isso. Sinto um peso de mândria (o verdadeiro nome é este) sobre mim, que não sei se poderei trabalhar. Por hoje, disse. Você escreva sempre, suplico-lhe. Um grande abraço d’Alma. o seu, seu

Mário de Sá-Carneiro

Em P.S. este «mimoso» poema:

A minha Alma fugiu pela Torre Eiffel acima,
– A verdade é esta, não nos criemos mais ilusões

– Fugiu, mas foi apanhada pela antena da T. S. F.
Que a transmitiu pelo infinito em ondas hertzianas...

(Em todo o caso que belo fim para a minha Alma!...)

 

M. de Sá-Carneiro

 

Aliás, Fernando Pessoa. Mas no caso combativo, para mim, é o Campos que existe, e o Pessoa, o seu pseudónimo.

 
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5667
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre folhas lisas e sobrescrito.
Dados de produção
1915 Agosto 31
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
Orpheu, Futurismo, Modernismo
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.