Estou-lhe muito grato por todas as suas diligências na «affaire» do Céu em Fogo – bem como reconhecido ao Augusto que é na verdade um tipo admirável! Fico sossegado: hoje recebi também o postal da Livraria – ontem um telegrama do meu Avô a quem pedi dinheiro e que mo anuncia. Agora só falta a resposta telegráfica do meu Pai para definir o meu destino. Veremos...
– Os meus parabéns, oh! mas os meus vivíssimos parabéns pelo novo papel do nosso Orfeu que você fez imprimir não sei aonde. Homem, aonde raio foi descobrir aquele tipo de papel e de letra – tão Álvaro de Campos e, ao mesmo tempo, tão inglês? (sobretudo o formato do sobrescrito). Por curiosidade diga-me como foi que arranjou aquilo – sim? Provavelmente por intermédio da livraria.
– Exorto-o intensamente a que não descure a propaganda europeia do Orfeu – claro com traduções (talvez não necessariamente integrais – trechos bastarão, creio) sobretudo das Odes, da «Chuva Oblíqua» e da «Manucure». Não poupe exemplares – pois para que os queremos nós?... Por mim não mandei o Orfeu ao movimento futurista – mesmo porque não sei o endereço. Para centralizar – mande você. Não lhe parece melhor? Diga. Agora o que precisa começar a preocupar-nos é o n.º 3 – materialmente e «sumariamente». Quanto à 1.ª questão vou até com certa brevidade escrever ao Augusto para ver se consigo o seguinte: a livraria mandar imprimir o 3.º n.º do Orfeu à sua tipografia (Lucas) fazendo-me crédito da importância. Se houver perda eu comprometo-me a cobri-la. Todas as outras condições como eles quiserem. Faremos só 500 exemplares – sem gravuras – com o n.º mínimo de páginas (72) e forçosamente em papel menos caro. Um papel mais barato, mas no mesmo género, claro. O Augusto em tempos disse-me que na tipografia Lucas o 1.º do Orfeu não custaria mais de 65 000 réis.
Meu querido Fernando Pessoa, bem sei que é doloroso não podermos manter o luxo, não dar gravuras – e fazermos um n.º menos espesso. Mas compreende que é a única forma de o fazer sair – visto que eu, tão cedo, não posso voltar à Tipografia do Comércio. O aparecimento do n.º nas condições acima indicadas tenho esperança que seja possível – tanto mais que ainda tenho um saldo a meu favor na livraria que não reclamarei e que – por pequeno que seja – serve para «inspirar confiança»... Agora quanto ao sumário:
Almada Negreiros (Nota Importante: convém muito cortejar este pequeno que, em todo o caso – e com o grande interesse de ser colaborador do Orfeu – nos pode ajudar com uns 10 000 réis de adiantamento, em qualquer ocasião – e com mais até se, no momento, estiver endinheirado. Não deixe de lhe falar no Orfeu e na sua colaboração do III n.º – aquela coisa soberba a que eu já esqueci o nome – a do «ergo-me pederasta», etc.)
Fernando Pessoa e Álvaro de Campos: o 1.º deve dar versos rimados: «Sonetos dos 7 Passos» e «Além-Deus». O 2.º alguma coisa – que porventura tenha feito entretanto.
Mário de Sá- Carneiro: não sei propriamente, mas alguma coisa se arranjará (quanto mais não seja os versos que tenho feito e que – por inferiores – sempre são alguma coisa e irritantes na antipatia furiosa das «Canções» 3-4 que na minha última carta enviei). Mas isto é pouco – e com que podemos mais contar?
Assunto grave. Diga. Se ficar por aqui vou trabalhar muito. De prosa, sinto-me pouco disposto a escrever agora o «Mundo Interior» visto ser uma novela interessante mas «igual» a outras minhas. Gostaria de fazer agora uma coisa doutro género – e está-me atraindo este assunto: um homem que (através dum enredo outonal e romântico) lute ardentemente para merecer uma mulher: luta pela vida, luta material para ter os meios de fortuna, para poder sustentar, no fim de contas, a mulher – luta por questões de família – luta mesmo, talvez – e possivelmente a preço de infâmias – para obter o amor dessa mulher afastando um rival. Este homem conseguirá enfim tudo. Mas então suicidar-se-á ou fugirá. Isto só brutalmente. Que lhe parece? Não sei. Mas em todo o caso é impróprio para o Orfeu. Se você acha duma conveniência capital o meu «Mundo Interior» para o III n.º, diga – que o escreverei. Suplico-lhe que me fale de tudo isto pormenorizadamente – e faço votos para que o «dia-de-cinco-mil-réis» tenha passado sem novidade... Adeus. Um grande e sincero abraço do seu