– De mim? Ah, de mim, meu pobre amigo não sei. Olhe, cá estou. E é tudo. Já é alguma coisa, concordemos. Enfim... Espero uma resposta telegráfica do meu Pai a uma carta que lhe escrevi daqui no dia da minha chegada: 15 de julho. Depois, não sei. Eu pedia-lhe nessa carta que me deixasse, por tudo, ficar aqui – pelo menos até me mandar ir para a África. Em suma, bem frisado: tudo menos Lisboa. Ignoro o que ele fará. Vamos a ver. Instabilidade! Mas prefiro-a tanto, tanto, à estagnação! África – outro naufrágio a mais. Deixá-lo – se assim for. Pelo menos, agitação, mudança. Acima de tudo me arrepia a ideia sem espelhos de, sem remédio, novamente fundear no Martinho... Não sei porquê mas esse café – não os outros cafés de Lisboa, esse só – deu-me sempre a ideia dum local aonde se vem findar uma vida: estranho refúgio, talvez, dos que perderam todas as ilusões, ficando-lhes só, como magro resto, o tostão para o café quotidiano – e ainda assim, vamos lá, com dificuldade. Tanto lepidopterismo! Mas você continua a perdoar... Em Paris bocejo, é claro. Mas estou melhor. É outra ilusão. Tenho a força de a manter, entanto – e isso me é lisonjeiro. Pequeninas coisas: a outra noite, o luar sobre a Praça da Concórdia, por exemplo, curou-me por uns poucos de dias. E o poder dizer mais tarde: «Quando os alemães tomaram Varsóvia, estava eu em Paris.» Tão pequeninas coisas. Você pode medir bem o descalabro irremediável da minha vida, do meu espírito e da minha carne – quando, ainda assim, são estes – e os letreiros das ruas dos bairros por onde passo a primeira vez e orgulhosamente leio – os amparos únicos, os lenitivos raros à minha existência destrambelhada... Tenho chegado mesmo a suspeitar nestes últimos tempos se – de facto – já estarei doido. Parece-me que não. Mas o certo é que, mais uma vez, e positivamente, se modificou alguma coisa dentro de mim. O mundo exterior não me atinge, quase – e, ao mesmo tempo, afastou-se para muito longe o meu mundo interior. Diminuiu, diminuiu muito, evidentemente, a minha psicologia. Sou inferior – é a triste verdade – de muito longe inferior ao que já fui. Saibo-me a um vinho precioso, desalcoolizado agora, sem remédio. Estou muito pouco interessante. E não prevejo o meu regresso a mim – isso, que digo nos meus versos da «Escala» – incitação que não será seguida, parece-me. Já vê que não vamos nada bem.