Não sei realmente meu querido Amigo como explicar o seu silêncio. Pior: não sei como desculpá-lo. Então eu recorro a si, creia, numa circunstância grave da minha vida – dirijo-me a si pedindo-lhe no fim de contas uma coisa fácil, facílima – que se reduzia a passar numa loja, indagar uma coisa, fazer com que me telegrafassem. Prevejo todas as hipóteses: até a de na livraria se recusarem a mandar o telegrama, pedin- do-lhe para, nesse caso, pedir em meu nome a sua importância (caso você não a tivesse consigo) ao Vitoriano ou ao Pacheco – e tudo baldado! Você não tem um gesto! Não se lembra da minha intranquilidade – não tem dó de mim, numa palavra! Francamente é duro, meu querido Fernando. Eu não lhe merecia esse «desmazelo» – porque a outra coisa não posso atribuir a sua falta. Parece-me impossível, realmente! Você não sabe que, à distância, a gente põe-se a fantasiar todas as explicações para um silêncio inaudito como o seu e – vamos lá – como o da livraria, o do Augusto, que é também inadmissível, visto que eu nada mais suplicava do que um telegrama de 5 tostões!! Assim já me lembrei da sua morte, da sua prisão – da falência da livraria – e até da destruição de Lisboa, se os quiosques daqui não vendessem todos os dias o Século com um atraso de três datas: isto é: o Século dum dia 2, por exemplo, vende-se aqui, a 5! Concorde, meu caro Fernando Pessoa que tenho razão de sobra para me queixar – tanto mais que ainda não falei do que vem agravar tudo isto: logo que cheguei aqui escrevi-lhe umas poucas de vezes (pelo menos duas cartas) suplicando-lhe que me respondesse na volta do correio para a Posta-Restante, bureau n.o 8. Já lá tenho passado inúmeras vezes, sempre em balde. Para ter a certeza de que não havia qualquer extravio já por duas vezes me dirigi cartas, que sem demora nesse bureau me foram entregues! Isto é muito, muito duro dum amigo como você! Eu não procederia assim com um indiferente. Que mal você me fez! Se porventura se «feriu» com o eu lhe não dar logo o meu endereço, permita-me significar-lhe quão descabido isso foi – e sobretudo como foi injusta e demasiada a pena a que me condenou: o silêncio! Através de tudo o que mais me custa a acreditar é que você, conhecendo de mais a mais o meu carácter, os meus nervos, a minha impaciência – não tivesse tido dó de mim. Dó, repito, que era o que eu em todas estas circunstâncias lhe queria merecer! É espantoso! Que pena eu tenho de tudo isto, meu querido Amigo, como é duro vermo-nos de súbito abandonados por quem tanto estimamos e admiramos! Alguns anos duma camaradagem tão estreita, sobretudo duma camaradagem d’Alma, meu querido Fernando Pessoa, deviam-no ter bem conduzido a outro procedimento. Porque – repito – não há razão possível para o seu silêncio: por muitas preocupações de qualquer ordem que o absorvam ou o atormentem. Não era razão para deixar de me escrever uma breve carta aonde me falasse do essencial: meia dúzia de linhas. E o mais dolo- roso, meu Fernando Pessoa, é que noutros tempos você não procedia assim: não tinha amigo mais diligente, que mais depressa respondesse às minhas cartas! Por exemplo: a 1.ª vez que estive em Paris depois de o conhecer. Enfim, por severo que me mostre nesta carta, eu apenas deploro, funda e tristemente deploro o seu modo de proceder para comigo. Mas estimo-o demais, admiro-o demais para lhe não perdoar as suas faltas – embora lhas não desculpe. E agora oiça, oiça por amor de Deus – em nome dos seus ideais – suplico-lhe de joelhos! Vá à livraria logo que receba esta. Averigue o que se passa. Telegrafe-me! Pelo mesmo correio escrevo ao Vitoriano pedindo-lhe para emprestar o dinheiro necessário ao telegrama. É claro que este meu pedido só subsiste para o caso de não me haverem já telegrafado ou escrito da livraria. Diga-me o que se passa, por amor de Deus! O Vitoriano adiantará o dinheiro. Repare que me entrego nas suas mãos. Você não tem o direito de me negar o seu auxílio! E escreva-me também, por amor de Deus. Um simples postal, pelo menos. Mas na volta do correio. No próprio dia em que receber esta carta. Trata-se da minha vida. Apesar de tudo conto consigo.
Um grande abraço de toda a alma. O seu, seu