Virtual Archive of the Orpheu Generation

Mário de Sá-Carneiro

The Virtual Archive of Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), modernist poet, includes his correspondence, notebooks, manuscripts and published work during his lifetime. Most of these documents were gathered by François Castex, French intellectual, and are kept at the National Library of Portugal. Also included here are letters sent by the author to his great friend Fernando Pessoa.

The full documents can be found in the 'PDF' box and the manuscripts have been transcribed in the 'Edition' box. 

 

 

Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/6_20
Esp.115/6_20
Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta enviada de Lisboa, no dia 16 de Julho de 1915. 

 

 **

 
 

Paris – julho 1915

Dia 16

 

Meu Querido Amigo,

Peço-lhe muita atenção para esta carta – que de resto não vai ter nenhuma importância nem dar-lhe nenhuma maçada. Sossegue por consequência. Em primeiro lugar: do que se possa ter aí passado com respeito a questões da minha vida particular, comunico-lhe que não quero saber coisa nenhuma, tenha havido o que houver. Suplico-lhe como um dos maiores obséquios que se porventura sabe alguma coisa a esse respeito, se o foram mesmo procurar – o que é muito natural – etc., me não diga nada, nem faça de longe referências. É pelo sossego do meu espírito que lhe suplico este favor encarecidamente. Você bem compreenderá o que ele para mim representa. Não quero saber nada, absolutamente nada. E peço-lhe que não se refira sequer nas suas cartas a estas minhas linhas. Faça como se nenhuma destas trapalhadas tivesse existido. Fale-me só de si, de questões literárias, do Orfeu etc.!

Compreende bem, não é verdade? Por mim creio de resto as coisas a razoável caminho e estou tranquilo no momento em que lhe escrevo. Escrevi ontem uma longa e importantíssima carta ao meu Pai. Antes de receber a resposta a essa carta não sairei de Paris nem comunicarei o meu endereço a ninguém. Nem mesmo a você. Perdoe-me. Mas é capital para a minha vida que ninguém, absolutamente ninguém saiba aonde eu moro em Paris antes do meu Pai receber a minha carta e me responder. Até lá tenho dinheiro. O endereço mesmo que lhe vou pôr no fim da carta é absolutamente confidencial e só a você por enquanto o comunico. Isto porque não quero receber cartas desnecessárias e que só me viriam incomodar. Não irei mesmo à Posta Restante Central, perguntar por elas. Em nome da sua amizade lhe rogo por consequência que oculte mesmo a todos o endereço que lhe vou dar. Aos outros dirá que eu me esqueci de lhe mandar o endereço. Enviar-lhe-ei amanhã o postal que em tempos combinámos. Ao Pacheco e ao Vitoriano se me quiserem escrever, encarregue-se você de subscritar as cartas – mas evite o mais possível de lhes dizer o endereço que lhe vou dar – muito especialmente ao Vitoriano. Juro-lhe que nada de importante há sobre tudo isto. Trata-se apenas de ganhar Paris, de lutar pela minha vida – e do meu sossego de espírito. Outro assunto importantíssimo: Escrevi hoje ao Augusto (da Livraria) para – como de resto combináramos – ele promover a venda do Céu em Fogo até ao fim deste mês de forma que eu receba a importância sem falta até 8 de agosto. Vá falar com ele neste sentido daqui a um ou dois dias, e veja o que ele responde. Mas isso sem falta. Pergunte-lhe também, em meu nome como vai a venda do Orfeu. Diga-lhe que, se quiser, pode vender os Céus em Fogo imediatamente. Cinco exemplares em bom estado guarde-os para mim. Não se esqueça de lhe dizer isto – porque eu esqueci-me de lho dizer na minha carta. Informe-me de quando o negócio será feito. Tornarei a escrever ao Augusto a dizer-lhe que compre um cheque – que você subscritará para mim em carta registada. Sobre a primeira parte desta carta – mesmo sobre toda esta carta – suplico-lhe o maior sigilo. Conto dever-lhe todos estes obséquios. Breve escreverei uma longa carta sobre Paris que está emocionante à noite.

Responda na volta do correio segundo as minhas instruções. Pode afinal ir procurar o Augusto no mesmo dia em que receber esta carta. Fico ansioso pela sua resposta. Escreva imediatamente. Mil agradecimentos e perdões.

Um grande abraço de toda a alma do seu

Mário de Sá-Carneiro

 

 

Escreva para

Poste-restante

Bureau n.º 8

Boulevard des Italiens

sublinhe Italiens

Paris

 

De novo lhe suplico que cumpra à risca tudo quanto lhe peço. Dou-lhe uma grande importância.

Fale muito do Orfeu notícias, etc.

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5569
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre folhas quadriculadas e sobrescrito.
Dados de produção
1915 Julho 15
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris, Lisboa
José Pacheco
Vitoriano
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.