Virtual Archive of the Orpheu Generation

Mário de Sá-Carneiro

The Virtual Archive of Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), modernist poet, includes his correspondence, notebooks, manuscripts and published work during his lifetime. Most of these documents were gathered by François Castex, French intellectual, and are kept at the National Library of Portugal. Also included here are letters sent by the author to his great friend Fernando Pessoa.

The full documents can be found in the 'PDF' box and the manuscripts have been transcribed in the 'Edition' box. 

 

 

Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/4_40
Esp.115/4_40
Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta a Fernando Pessoa, enviada de Paris, a 31 de Maio de 1913.

 

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Paris – Maio de 1913

Último Dia

 

Meu querido amigo,

 

Perdoe-me. Você está-se atrasando um bocadinho desta vez... Aqui me tem pois a maçá-lo... E de caminho envio-lhe as duas últimas poesias da Dispersão que é obra completa agora, pois decididamente, mesmo que o tratasse em verso, não incluiria nesta série «Aquele que estiolou o génio». O que porém – apesar do que lhe disse numa das minhas cartas – incluirei nesta série é o soneto «Escavação» pois, dentro de mim, sinto-o em verdade um número. Assim teremos 12 poesias.

As duas que hoje lhe envio – uma das quais talvez já conheça pelo Ponce de Leão – afiguram-se-me menos artisticamente valiosas mas estimo-as entre as mais pelas ideias que encerram: No «Além-Tédio» sobretudo estes versos: «De as não ter e de nunca vir a tê-las, fartam-me até as coisas que não tive».

– No «Como eu não possuo» a ideia geral é esta quadra «Não sou amigo de ninguém», etc., onde está condensada a ideia duma das minhas futuras novelas A Confissão de Lúcio (perdoe «Pró» desta quadra tanto mais que será o único da plaquette pois o do «Simplesmente» – hoje «partida», foi emendado). Há outra quadra que pela sua violência me agrada muito nesta poesia e que começa: «Eu vibraria só agonizante» etc. Agrada-me a expressão «aglutinante» e «seios transtornados» bem como na quadra antecedente a «carne estilizada». Esta poesia tem talvez uma certa falta de unidade. Entanto julgo-a assim bem. É torturada, contorcida – como torturado e contorcido é o que ela pretende esboçar. Peço-lhe que me estabeleça a ordem em que todas as 12 poesias devem ser publicadas e, se tiver pachorra, a sua ordem de preferência conforme a opinião do meu querido amigo. A «Bebedeira» intitulei-a definitivamente «Álcool». Não lhe parece bem este título? Outra pergunta: Na capa do livro que pôr abaixo de Dispersão versos, poemas, poesias, 12 poemas de Mário de Sá-Carneiro, 12 poesias de Mário de Sá-Carneiro? E se se fizesse isto: 344 versos de Mário de Sá-Carneiro (344 ou o número deles, quero dizer). Isto porém, que seria novidade, é talvez (quase com certeza) de mau gosto. Indicar por fora que o livro é em verso, é forçoso pois eu sou conhecido como prosador. Ainda outro subtítulo: Série em verso. Diga o que pensa sobre isto e que pouca importância tem. (Diga-me: Seria melhor em vez de: «De embate ao meu amor todo me ruo»; «de embate ao meu ansear todo me ruo»?) Sobre esta pequeninas coisas de viva voz me aconselharei consigo.

Uma ideia nova: Um indivíduo cuja ânsia é de criar mistérios só pelo pertubador que um mistério é. Assim contará crimes só para ter a glória de todo o mundo andar ansiante por descobrir o mistério. (Crimes dum género especial: Suponhamos: o roubo da Jucunda – isto para exemplificar grosseiramente qual a minha ideia.) Este homem por fim será morto, despedaçado, pelo mais grandioso mistério que conseguiu criar. Não se entrevê o meu fim, nisto tão mal explicado. Diga, não se esqueça.

E mais uma vez perdão pelas minhas contínuas estopadas e, mais uma vez, mil súplicas para que me diga o que pensa dos versos que hoje lhe envio e que me escreva o mais brevemente, o mais longamente que lhe for possível!...

Sem mais, envia-lhe um grande abraço de sincera amizade o seu saudoso amigo muito obrigado

Sá-Carneiro

 

50, rue des Écoles – Hotel du Globe

 

 

 

 

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5281
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre 1 páginas lisas e 4 páginas quadriculadas. Sobrescrito.
Dados de produção
1913 Maio 31
Inscrita: "Maio 1913 Último dia".
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
António Cardoso Ponce de Leão
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115/4
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.