Sobre a droga – Aparentemente você tem razão e eu já esperava o seu reparo. Mas oiça-me: os franceses chamam aos narcóticos, e espe- cialmente ao ópio «a droga» (não droga como abstracto, mas droga como concreto). Assim se diz de Maupassant: «foi a droga que condu- ziu o artista à paralisia geral». Acho interessante esta expressão, daí o tê-la empregado. Para melhor exemplificar, copio dum artigo do Matin d’hoje, justamente acerca do ópio que invade a marinha francesa as seguintes linhas:
«Ah! mon cher Farrère, vous n’êtes pas tendre pour ceux qui dans les ports français, poussent un cri d’alarme et supplient qu’on arrête la marge envahissante de la drogue... la drogue, la revanche du jaune sur le blanc.» Eis pelo que conservarei o termo.
Sobre o loira do último verso. Diga-me se acha preferível substituir a palavra por fulva ou ruiva ou então modificar o verso assim:
«Manhã tão forte que me anoiteceu».
(Repare que vai me em vez de se.) É claro que mesmo conservando o se se pode trocar o loira por forte. Este forte não o acho mau pela ideia de álcool que encerra em si. Diga-me pois qual deve ser a versão final deste verso segundo o que lhe exponho. Não se esqueça.
Interessantes (e de resto coisa vulgar) os encontros de mim e Côrtes-Rodrigues e de mim e você – sobretudo este último, que bem mostra, como você frisa, o nosso parentesco.
Percorrendo o labirinto, mas o grato labirinto, do que me expõe sobre a publicação dos seus livros, aqui tem o que penso em poucas palavras:
(Em 1.º lugar, e entre parêntesis – condeno a ideia da publicação dum livro de sonetos, como primeiro livro a publicar.) Os «pauis» devem, mas absolutamente devem, ser incluídos num volume «paulico» e portanto deve assentar naquilo que, no decorrer do que me escrevia, se lhe sugeriu: «4 livros projectados – um pronto já, dois já adiantados, outro começado». A respeito dos títulos sobretudo, acho que a solução que indica é a melhor de todas e não deve hesitar na sua publicação. Agora quer ver o que eu faria se fosse a você. Isto: Em virtude de ter tantas coisas belas de vários conjuntos, de vários géneros e atendendo por outro lado à dificuldade relativa de publicação de livros de versos e ainda ao tempo que um artista precisa para concluir um conjunto, eu, se fosse a você, publicava como obra de estreia uma Antologia de mim mesmo aonde reunia simplesmente as coisas mais belas dentre os meus versos. A beleza, o valor das obras seria o único critério da escolha. Esse livro seria volumoso, genial – marcaria. E depois, sossegadamente, então publicaria à medida das circunstâncias espirituais e materiais os livros de conjunto. Havia assim a vantagem do poeta aparecer todo duma vez – na sua inteira grandeza. (É curioso que depois de escrever isto uma dúvida me assalta: isto que eu lhe digo será unicamente um antigo projecto de você; ou uma coisa que eu já lhe teria lembrado?)