No «Rodopio» o que eu quis dar foi a loucura, incoerência, das coisas que volteiam – daí a junção bizarra de coisas que aparentemente não têm relação alguma. Quis dar também o rodopio pela abundância, pelo movimento. Há versos de que gosto bastante, por exemplo
Chovem garras, manchas, laços...
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segredo.
as duas quintilhas que se seguem. A antepenúltima.
Sobre a 8.ª (Há incensos de esponsais etc.) é que tenho dúvidas.
Escrevi-a na seguinte intenção: Dar a nota da incoerência, no meio do singular turbilhão das coisas esplêndidas e bizarras, vêem-se grifar também coisas vulgares da vida, ou antes – a nostalgia das coisas vulgares da vida; muita, muita ternura. Traduz essa quintilha, no meio das outras, uma coisa muito muito verdadeira da minha alma. Mas receio no entanto que ela venha destruir o equilíbrio do desequilíbrio artístico da composição. Meti-a entre parêntesis, por isso mesmo. Gostaria muito de a conservar. Entanto hesito, e, em última instância, recorro a você. Mas seja imparcial. E diga se ela pode ficar. Se apenas for preferível eliminá-la, deixá-la-ei. Mas se for preciso condená-la, condená-la-ei. Você mo dirá.
A seguir ao «Rodopio» vem a «Queda», fazendo conjunto com ele. Gosto bastante desta poesia e muito do seu final.
Para a Dispersão faltam pois só duas poesias, porquanto aquela «Mentira» não a comporei. O assunto não é, depois de o pensar melhor, o que eu julgava. E, como é, não entra pelo menos no quadro. Ainda sobre o próprio «Aquele que estiolou o génio» tenho dúvidas. O que farei decerto é «Como eu não possuo» que se grifará nesta ideia: não é só em mim que me disperso – é sobre as coisas: Assim como me não posso reunir, também não posso reunir, possuir as coisas.
Sobre «Aquele que estiolou o génio». Esta ideia de conto, tratado até cientificamente, volveu-se-me de uma forma bizarra, poética. No meu conto o protagonista havia de ter sensações como esta: uma mulher passava e, casualmente, o acariciava. Ele ficava com uma ternura infinita por essa mulher porque ela tinha tocado nele – mas não pelo que ela lhe tinha feito – sim pelo que ela tinha feito a si própria, mexendo nele – mexendo no génio. E, em exaltações, ao ver as maravilhas subirem dentro de si, nos jardins, abraçaria as árvores – para lhes fazer bem. Olhar-se-ia ao espelho, pasmado de admiração em frente de si – mas não pelo seu físico, sim pelo que havia dentro dele. E com ternuras especiais olharia para o seu génio. Às vezes procuraria adormecê-lo, receante de o fatigar etc. Você vai ver pelo excerto que adiante mando como poeticamente eu pretendo traduzir estas coisas, que no conto seriam tratadas de fora. Peço muito que me diga o que antevê, pelos excertos, da poesia total e se acha que a deva executar ou não. A executá-la há-de ser assim neste corte, nesta maneira, nesta orientação. Caso contrário renunciarei a tratar o assunto em poesia. Os seus conselhos mo ensinarão. Aí vai o que fiz: