Virtual Archive of the Orpheu Generation

Mário de Sá-Carneiro

The Virtual Archive of Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), modernist poet, includes his correspondence, notebooks, manuscripts and published work during his lifetime. Most of these documents were gathered by François Castex, French intellectual, and are kept at the National Library of Portugal. Also included here are letters sent by the author to his great friend Fernando Pessoa.

The full documents can be found in the 'PDF' box and the manuscripts have been transcribed in the 'Edition' box. 

 

 

Medium
Mário de Sá-Carneiro
Esp.115/4_30
Esp.115/4_30
Sá-Carneiro, Mário de
Identificação
Carta a Fernando Pessoa
Carta a Fernando Pessoa

Carta a Fernando Pessoa, enviada de Paris, a 29 de Março de 1913.

 

**

Paris –

março de 1913 Dia 29

Meu querido amigo,

 

Envio-lhe juntamente o «Bailado» que conclui ontem. Peço-lhe, é sabido, a sua opinião inteira sobre ele.

Como vê, trata-se mais duma poesia do que de um trecho de prosa. Mas em escritos como estes o ritmo parece-me imprescindível pois ajuda muito a sugestão. Empreguei mesmo em certos pedaços uma rima longínqua para dar a harmonia que existe nos passos da dança. Há partes que me agradam e – sobretudo – o final onde passa a ideia perturbante do «já-visto» dada longinquamente como longínqua é essa ideia, chamando por último a «saudade transmigradora» para fixar o instante.

Enfim, você dirá o que pensa.

Produções como esta julgo que mesmo com algum valor pouca gente, pouquíssima, as «aceitará» (não digo apreciará; digo aceitará). Que lhe parece a você? Mas isso é coisa secundária se o valor existe.

Rogo-lhe pois que, o mais brevemente possível me envie a sua opinião detalhada destacando as coisas que lhe não agradam e frisando as partes que lhe agradem mais. Peço-lhe desculpa por estas contínuas estopadas. Mas você perdoará, atendendo a que eu aqui, conhecendo tanta gente, vivo isolado. Coisa horrível! Vivo isolado, falando a imensa gente. Isto é que é horrível, porque no isolamento ainda acho doçura. Quando chegar a Lisboa nem você calcula a alegria com que o abraçarei a si e mais uma meia dúzia de amigos, intelectuais e não intelectuais, exclamando:

– Enfim, um homem!...
Como o árabe sedento ao descobrir enfim um oásis!...
Só lhe poderia fazer compreender bem isto estabelecendo a «fiche» de cada um dos indivíduos com quem eu aqui trato. Chiça! que colecção!... (Desculpe o «chiça», mas é o único termo que exprime sinteticamente a multidão de coisas que sobre os meus «amigos» de cá eu quereria gritar...)

Enfim...

Nada lhe tenho a dizer – só por curiosidade isto: do meu livro venderam-se até hoje em Lisboa 91 exemplares e na província 120 (não havendo ainda notícias de todas as partes). Para o nosso meio, atendendo ainda à pouca propaganda e à má época de publicação e à ignorância do nome do autor, não é de todo mau. Curioso isto de se venderem mais livros na província que na capital. Coisa aliás que nem sempre sucede conforme na Livraria disseram ao meu pai.

E ponto final.

Não deixe pois de me dizer tudo quanto pensa acerca do «Bailado» e o mais brevemente possível.

De novo, muitos perdões.

E um grande abraço.

o seu muito amigo muito obrigado

Sá-Carneiro

 

https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/5269
Classificação
Espólio Documental
Correspondência
Dados Físicos
Tinta preta sobre 2 folhas pautadas e timbradas + sobrescrito; tinta preta sobre folhas lisas.
Dados de produção
1913 Mar 29
Inscrita.
Fernando Pessoa
Português
Dados de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Bom
Biblioteca Nacional de Portugal
Palavras chave
Paris
Carlos Augusto de Sá-Carneiro
Documentação Associada
Sá-Carneiro, Mário de, Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, ed. Manuela Parreira da Silva, Assírio & Alvim, Lisboa, 2001.
Esp.115/4
Na transcrição das cartas: a ortografia foi actualizada e as gralhas evidentes corrigidas, mantendo, contudo, as elisões com apóstrofo e todas as singularidades da pontuação usada por Mário de Sá-Carneiro, bem como a forma original das datas, muitas vezes com o nome dos meses em letra minúscula ou abreviado. O título da revista Orpheu foi mantido na forma sempre usada por Sá-Carneiro – Orfeu. Foram mantidas, igualmente, as versões de versos e de outros trechos literários mais tarde corrigidos ou refundidos pelo poeta.