Carta a Fernando Pessoa, enviada de Paris, a 29 de Março de 1913.
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Paris –
março de 1913 Dia 29
Meu querido amigo,
Envio-lhe juntamente o «Bailado» que conclui ontem. Peço-lhe, é sabido, a sua opinião inteira sobre ele.
Como vê, trata-se mais duma poesia do que de um trecho de prosa. Mas em escritos como estes o ritmo parece-me imprescindível pois ajuda muito a sugestão. Empreguei mesmo em certos pedaços uma rima longínqua para dar a harmonia que existe nos passos da dança. Há partes que me agradam e – sobretudo – o final onde passa a ideia perturbante do «já-visto» dada longinquamente como longínqua é essa ideia, chamando por último a «saudade transmigradora» para fixar o instante.
Enfim, você dirá o que pensa.
Produções como esta julgo que mesmo com algum valor pouca gente, pouquíssima, as «aceitará» (não digo apreciará; digo aceitará). Que lhe parece a você? Mas isso é coisa secundária se o valor existe.
Rogo-lhe pois que, o mais brevemente possível me envie a sua opinião detalhada destacando as coisas que lhe não agradam e frisando as partes que lhe agradem mais. Peço-lhe desculpa por estas contínuas estopadas. Mas você perdoará, atendendo a que eu aqui, conhecendo tanta gente, vivo isolado. Coisa horrível! Vivo isolado, falando a imensa gente. Isto é que é horrível, porque no isolamento ainda acho doçura. Quando chegar a Lisboa nem você calcula a alegria com que o abraçarei a si e mais uma meia dúzia de amigos, intelectuais e não intelectuais, exclamando:
– Enfim, um homem!...
Como o árabe sedento ao descobrir enfim um oásis!...
Só lhe poderia fazer compreender bem isto estabelecendo a «fiche» de cada um dos indivíduos com quem eu aqui trato. Chiça! que colecção!... (Desculpe o «chiça», mas é o único termo que exprime sinteticamente a multidão de coisas que sobre os meus «amigos» de cá eu quereria gritar...)
Enfim...
Nada lhe tenho a dizer – só por curiosidade isto: do meu livro venderam-se até hoje em Lisboa 91 exemplares e na província 120 (não havendo ainda notícias de todas as partes). Para o nosso meio, atendendo ainda à pouca propaganda e à má época de publicação e à ignorância do nome do autor, não é de todo mau. Curioso isto de se venderem mais livros na província que na capital. Coisa aliás que nem sempre sucede conforme na Livraria disseram ao meu pai.
E ponto final.
Não deixe pois de me dizer tudo quanto pensa acerca do «Bailado» e o mais brevemente possível.
De novo, muitos perdões.
E um grande abraço.
o seu muito amigo muito obrigado
Sá-Carneiro