Ainda o saltar me sugere uma objecção. O meu amigo diz bem. Mas eu também digo bem. Este saltar é na acepção do tigre que se lança sobre a presa – é o bondir francês que infelizmente não é propriamente traduzido em português por saltar.
Quanto ao resto tem o meu amigo mil vezes razão. Entanto poucas emendas farei na poesia. É que, como muitos pais, a estimo pelos seus defeitos – defeitos que ela não podia deixar de ter em virtude da forma como foi feita. Eu não tinha plano algum quando a comecei. Esperava o Santa-Rita na terrasse dum café. Passou uma rapariga de preto. Eis tudo. E o que nunca supus foi que a concluísse e, muito menos, que ela saltasse para o vago. Foi um divertimento, em suma. E a imitação de Cesário Verde – como se tratava na ocasião dum puro divertimento sem amanhã – foi propositada! Mau gosto é claro. Mas eu estava a brincar. Simplesmente da brincadeira nasceu uma coisa com algumas belezas. E aproveitei-a. Não lhe dando importância, apenas estimando-a. Da Ilustração Portuguesa (aonde não gosto nada de publicar) o António Maria de Freitas andava sempre a pedir ao meu pai coisas minhas. Assim satisfiz o seu pedido mandando-lhe os versos. Verei as provas e nessa ocasião, entanto, farei algumas das emendas que me aconselha. Se se tratasse duma obra em prosa, nunca, é claro, eu procederia assim. Mas são os versos que não surgirão em volume algum, que se perderão. E por isso deixo-lhe os defeitos pelos motivos expostos. Do Repas du Lion do Curel diz o E. Faguet que é um tecido maravilhoso trazendo preso um farrapo imundo. A minha poesia será um farrapo que traz preso um pedaço de seda alguma coisa brilhante. E já é muito para um prosador ter conseguido isto. Enfim, para mim, entre a poesia e a «literatura», há a mesma diferença que entre estas duas artes e a pintura, por exemplo. As minhas horas de ócio são ocupadas, não a pintar, como o Bataille, mas a fazer versos. Puro diletantismo.
As poesias que me envia são outras maravilhas. Acho a «Voz de Deus» completa e genialmente completa na sua nova versão. Entendo que não deve hesitar em raspar os seus aos últimos versos do «Passou»... O «Poente» é das coisas maiores que sei de você. Quanto à ideia que frisa no final da «Queda», não encontro palavras para exprimir a sua grandeza! Meu querido Fernando é impossível que um talento como o seu não ilumine algum dia! Um abraço aonde vai toda a minha admiração, todo o meu culto pelo genial artista que o meu amigo é. E creia na minha sinceridade. Eu já lhe disse que tenho um pavor sem fim do «elogio pelo elogio». Não faz ideia como me orgulho de ser estimado por si como sou, como do fundo de alma lhe agradeço as suas cartas que para mim são actualmente as maiores alegrias, como me orgulho de merecer a sua atenção. Enfim, estas coisas não se podem exprimir.