Que se passa renascentemente por aí?
A Grande Ave quebraria as asas ungidas de mistério, bêbada de luz? Desculpe o palavreado, que esse, na verdade é que é dum bêbado. Mas bem sabe que abomino o álcool. É talvez da chuva – excesso de água. Porque chove muito hoje. Um horror.
A grande ave em questão, decerto percebeu, é A Águia que segundo julgo está paralisada. Os porquês!?
E essa gente? Lacerdas, Beirões, Santas-Ritas, Ponces, Ferros?... (heterogénea mistura!), Castañés & C.a, caricatural? Diga coisas.
Abomino o álcool. Não fumo. Não jogo. Não me inoculo de morfina ou cocaína. O absinto sabe-me mal. Janto todos os dias a horas diferentes em restaurantes diversos. Como pratos variados. Ora me deito às 3 da manhã, ora às 9 da noite. Sou incapaz de ter horas para coisa alguma, de ter hábitos. E é por isto que não fumo, que não jogo etc. Os vícios são hábitos, apenas são maus hábitos.
Eu sou tão renitente aos hábitos que estou couraçado de aço fantástico para os vícios. Nunca poderei ser um vicioso da mesma forma que nunca serei um homem regrado...
Mas francamente, ao escrever esta carta, pareço abismado num Atlântico de carrascão!...
Na minha psicologia deveras emeandrada há coisas interessantes que lhe detalharei de vez em quando, muito por alto, em paga dos seus estudos. Olhe, por exemplo: a impossibilidade de renunciar. Escute:
Eu decido correr a uma provável desilusão. E uma manhã, recebo na alma mais uma vergastada – prova real dessa desilusão. Era o momento de recuar. Mas eu não recuo. Sei já, positivamente sei, que só há ruínas no termo do beco, e continuo a correr para ele até que os braços se me partem d’encontro ao muro espesso do beco sem saída. E você não imagina, meu querido Fernando, aonde me tem conduzido esta maneira de ser!... Há na minha vida um bem lamentável episódio que só se explica assim. Aqueles que o conhecem, no momento que o vivi, chamaram-lhe loucura e disparate inexplicável. Mas não era, não era. É que eu se começo a beber um copo de fel, hei-de forçosamente bebê-lo até ao fim. Porque – coisa estranha! – sofro menos esgotando-o até à última gota, do que lançando-o apenas encetado. Eu sou daqueles que vão até ao fim. Esta impossibilidade de renúncia, eu acho-a bela artisticamente, hei-de mesmo tratá-la num dos meus contos, mas a vida é uma triste coisa. Os actos da minha existência íntima, um deles quase trágico, são resultantes directos desse triste fardo. E coisas que parecem inexplicáveis, explicam-se assim. Mas ninguém as compreende. Ou tão raros...