O que na sua carta me entristeceu foi o que de si diz. Ainda bem que no «suplemento» escreve que um pouco de energia regressou. Creia que compreendo e, melhor, sinto muito bem a tragédia que me descreve, tragédia em que eu tantas vezes ando embrenhado. É uma coisa horrível! Um abatimento enorme nos esmaga, o pensamento foge-nos e nós sentimos que nos faltam as forças para o acorrentar. Pior ainda: sentimos que se nos dessem essas forças, mesmo assim, não o acorrentaríamos. E vamos dormindo o tempo. Intimamente sabemos que a crise passará. Fixaremos a ideia, e realizaremos. Mas embora saibamos firmemente, não o cremos. Eu por mim, meu caro amigo, embora saiba muito bem que hei-de escrever mais livros, não o acredito nestes períodos de aniquilamento. A este respeito devo-lhe dizer que me parece aproximar-se uma época de energia – após tantos meses de passivismo. Veremos... Que outro tanto lhe suceda, eis o que do coração desejo e acredito. Ah! como eu compreendo e sinto as linhas que você escreve: «Ainda assim eu não trocaria o que em mim causa este sofrimento pela felicidade de entusiasmo que têm homens como o Pascoais. Isto que ambos sentimos – é do artista em “nós” (?) misteriosamente. Os entusiasmados e felizes pelo entusiasmo, mesmo o Pascoais, sofrem de pouca arte.»
Como isto é verdadeiro e bem dito! E como eu me revolto quando aventando o ar, de narinas abertas, olhar olhando ao alto, e por altissonante o eterno Santa-Rita me lecciona: «Creia, meu querido Sá-Carneiro, em arte o entusiasmo é tudo! Como eu amo as pessoas que são todas entusiasmo! Que se curvam em face dalguém, ou dalguma ideia, sem reflectir, sem admitir meios-termos nem raciocínios. São estas as individualidades, as criaturas de raça. Ah! e eu, sou uma destas criaturas de raça, toda de raça!... Sou mouro, espanhol... Você, meu caro Sá-Carneiro, não tem entusiasmos, não tem instinto – é todo cérebro... E note, eu admiro as individualidades sejam elas o que forem. Conhece em Lisboa o Veríssimo amigo da papelaria do Camões? Como eu admiro esse homem... Todo papeleiro... E religioso, muito talassa...» Etc. E por aqui fora canta o contra-senso, a impetuosidade... o disparate, a desordem, em resumo, que nunca são o génio (ou quando muito são génios falidos) – porque esse, é certo, pode ser e é loucura, mas não loucura barata e mesquinha, sim loucura grande, resplandecente. Não imagina você como me incomodam, me arrepanham e torturam as conversas com este personagem de quem procuro afastar-me o mais possível. Actualmente há 15 dias que não o vejo. Ver que alguém não tem razão, e que triunfantemente a cada passo brama que a razão está do lado dele, é para mim uma coisa insuportável.