E o outro desaparecimento é horrível, e ambos eles são egoístas – torpe um, cobarde o outro.
Depois, coisa interessante, quando eu medito horas no suicídio, o que trago disso é um doloroso pesar de ter de morrer forçosamente um dia mesmo que não me suicide. (Aliás eu tenho a certeza que esse não será o meu fim. Como digo no «Incesto»: «Os meus amigos podem estar perfeitamente sossegados.»)
Mas não falemos mais destas «complicações doentias». (Nos bons tempos de 80, quando Bourget florescia, nos rapazes de 20 anos o que se estudava eram as «complicações sentimentais» – quer dizer, «amorosas». A nossa geração é mais complicada, creio, e mais infeliz. A iluminar as suas complicações não existe mesmo uma boca de mulher. Porque somos uma geração superior.)
Quanto a novas ideias, interessantes têm surgido raríssimas. Falo-lhe apenas duma – que não sei mesmo se já narrei ao meu amigo. É a seguinte: Contar a tragédia do ar, as dores e as alegrias do ar – o ar como ser, como indivíduo. E falar-se-ia dos comboios gigantescos que o rompem brutalmente, e das mãos brancas que o acariciam, de todos os deslocamentos, em suma, que no oceano aéreo se dão. É esta uma ideia longínqua muito difícil de explicar em poucas palavras. Mas creio que o meu amigo a compreenderá. Diga-me o que pensa dela. Eu pela minha parte, por enquanto pelo menos, não lhe dou grande importância.
Outras coisas episódicas me têm surgido mas sem valor. Duma só lhe falo, que incluirei no «Gentil Amor». São pensamentos em face dum carroussel do Jardim do Luxemburgo onde crianças giram batendo as palmas, doidas de alegria, cavalgando leões, camelos, elefantes, coelhos, formigas, todos iguais no tamanho, estes animalejos. E dir-se-á: são aqueles os futuros corredores de ideal, mas ai, na infância eles cavalgam facilmente, corajosos, despreocupados e sorridentes elefantes e coelhos, hienas e formigas. Cavalgam o que querem – para eles, existe o que querem... Mas depois, na vida quanto sangue não verterão os seus membros para enfim poderem correr livremente, triunfantes no dorso áureo dum leão selvagem... Nesse carroussel ver-se-á a «miniatura do ideal». É também difícil de exprimir isto e eu disse-lho mesmo muito mal e incompletamente. Você desculpará.