Identificação
[BNP/E3, 144 – 60]
A vida social é uma das formas da vida; a arte[1] uma das formas da vida social, a literatura uma das formas da arte: a literatura é, portanto, uma das formas da vida. Aplicam-se, portanto, à literatura, as leis que regem a vida, na sua generalidade.
Ora as leis que governam a vida parece-me indubitável que se resumem em duas: a lei da adaptação ao meio, e a lei do equilíbrio. Propriamente, há só uma lei, a do equilíbrio, que rege as relações do organismo com o exterior na adaptação ao meio, e rege as do organismo consigo próprio (em todo o amplo sentido desta frase) na lei do equilíbrio propriamente dita. Da maior ou menor adaptação ao meio resulta a maior ou menor vitalidade; do maior ou menor equilíbrio íntimo resulta a maior ou menor resistência. Distingo entre vitalidade e resistência, em que a vitalidade é uma resistência directa à morte, e a resistência (assim chamada por mim) a resistência à acção das causas parciais que a provocam.
Mas a literatura, além de ser uma forma especial da vida, é, na sua virtualidade própria, um fenómeno intelectual. A sua vida é, portanto, uma vida intelectual. Ora, sendo o papel da inteligência o reflectir o mundo – quer pela coordenação das sensações, quer pela orientação da vontade (????) – resulta que o género de adaptação ao meio que a literatura tem, é uma adaptação expressiva, que a maior ou menor adaptação da literatura ao meio está na maior ou menor perfeição com que exprime as suas tendências íntimas. Isto respeita apenas à vitalidade de uma literatura, que é o que a torna possível em uma determinada época.
Vejamos agora o que respeita à sua resistência.
Onde está o equilíbrio íntimo de uma literatura? Ora o equilíbrio íntimo de qualquer organismo deriva da acção mutuamente compensadora das aquisições do passado e das aquisições do presente, do equilíbrio entre as qualidades da espécie e das qualidades do indivíduo adentro do organismo individual. Portanto o grau de resistência ao tempo de uma literatura (o inimigo de uma literatura, a sua “morte” é o tempo) lê-se na sua capacidade de equilibrar as tendências que lhe vêem da época em que vive com as tendências que lhe vêem do passado. Por aqui, e segundo o grau em que consegue esse equilíbrio, uma literatura resiste, fica é “eterna” adentro da humanidade.
A adaptação ao meio, pela expressão dele, torna possível uma corrente literária; o equilíbrio íntimo torna definitiva essa corrente.
[60v]
A lei da adaptação ao meio (pela qual a vida é possível), a lei do equilíbrio intra-orgânico (pela qual a vida é estável), e a lei da hierarquia de funções (pela qual a vida é perfeita e tem um “valor”).
[1] a arte /(vida artística)\