Identificação
[BNP/E3, 144 – 12-13]
Uma Reforma Teatral
É esta pavorosamente a inicial verdade[1] dos factos.
{…} para que a arte de representar que é, em sua essência, uma arte sabidamente parasitária, {…}
Assim passa a decidir da sorte {…} de uma peça do sr. M. † o sr. ††, cuja competência como autor damos de carácter que seja errónea, mas cuja capacidade crítica deve começar pela de um toureiro qualquer {…}
Em França os actores… {…} Mas é pelo que são além de actores que esse respeito lhes advém… e que competência crítica lhes é concedida.
Amanhã os editores passam a ser sensores legais das obras, e as tipografias apenas o seu juiz inevitável.
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Apareceu há dias no D. do G. tendo o nome inevitavelmente subscrito do sr. Ministro do Interior {…}
Pois não podia contestar a nossa natureza governativa com desorganizar as finanças, não se poderia entreter em descurar laboriosamente a defesa nacional, não podia dar o seu tempo ou perdê-lo em fomentar o descredito da constituição e a[2] República? Era acaso preciso que transbordasse para contra os pobres autores dramáticos? Que tendo feito deveras a decência, com a lealdade e a
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justiça se conhece aqui porque, irrestrita ainda, à inteligência?
Avança tanta besta! Os campos tão cheios de erva, eles tão comedores de conjuntos, e sempre no desterro do verde legitimar-nos para cima. É cada parelha de decretos que tanto lugar que pode assim para †, e eles a seguirem os dramaturgos com a |animalidade| espontânea.
Bem basta reformar a ortografia em vez da honestidade. Separar a Igreja do Estado e não o empenho dos costumes.
Há vozes na lírica, raciocínios que fazem levar-nos a profetizar o próximo aparecimento de um super-Camões em Portugal. Ergo as mãos a Deus para que mo traga: mande-nos um super-Juvenal ou {…}
De resto, o decreto ora em desprezo é sintomático e característico: o governar as minorias pensantes pelas pseudo-maiorias {…} é a marca da fábrica do actual pré-regime que sobre nós impera, pensando {…} Ter que ser carbonariado até ao governo civil, um intermédio de comentário é vulgar; ter que {…} pseudo-democratizado até ao vazio dos ouvidos; ter que tomar partidariamente para pouca gente o seu † e discursos do mesmo cunho – isto é quanto basta para elogiar ao quão fora da vida intelectual qualquer indivíduo com tendências para dramaturgo, poético ou aceirado.
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Não há de ser de aqui que sairá outra invasão; nem será de referir do R. † que dará força e base a qualquer outra escroquerie sob a forma nascente de Vasconcelos Porto… Não que duvidemos que os nossos governantes empenharão além dos países todos os seus esforços para conseguir outra invasão – o que lhes é fácil, dado a competência legislativa e liberalismo que para o caso têm; mas não é neste caso que ela se manifesta.
Não vale protestar… O protesto de si se faria… Não é natural que triunfe o teatro nacional, como {…}
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Não façamos nada e deixemos passar e ficar o insulto. Há razões superiores para essa passividade de momento.
Querer expulsar da nossa legislação este decreto seria atentar contra a Pátria e a República, impedindo a liquidação dos dirigentes de agora. O que mais convém neste momento é o sorridente auxílio aos disparates do presente, e a cuidadosa e correcta preparação do futuro.
Querer obstar a que entre |em voga| este decreto seria evitar que, no campo da aplicação prática, dos resultados legislativos, se expusessem em amplo abono secular da sua bestialidade os homens de desgoverno que nos pseudo-dirigem.
Ao trabalharem para mal da Pátria e da justiça, é para bem da justiça e da Pátria que estes sub-homens trabalham. Liquidam-se. É preciso muito cuidado em não impedir que eles se liquidem.
Especialmente convém num caso como este, em que a Pátria não corre perigo, deixar correr a legislação.
[1] verdade /realidade\
[2] em † a /fomentar o descredito da constituição e a\