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Fernando Pessoa
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BNP/E3, 14-2 – 25-26
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[Sobre o movimento da composição literária]
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
[Sobre o movimento da composição literária]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 142 – 25-26]

 

O movimento de qualquer composição literária é o da onda. Divide-se em três, quatro, ou cinco tempos esse movimento, consoante a maneira como se decomponha para a nossa análise.

O movimento da ode consiste essencialmente em três tempos, e, como o da ode, o de toda a poesia lírica. O movimento está tradicionalmente gravado na estrofe, antístrofe e epodo da ode grega – O primeiro tempo corresponde à lenta subida da onda, ao chegar à praia; o segundo movimento corresponde àquele tempo em que a onda reflui sobre si própria, curvando-se; o terceiro tempo corresponde àquele gesto da vaga quando, findo o movimento anterior, se espraia e alonga pela areia. – Assim, pois, as relações entre a estrofe e a antístrofe são as seguintes: a antístrofe procede da estrofe, ou prolonga-a; e, ao mesmo tempo, opõe-se-lhe; assim como, ao fazê-lo, a faz culminar. – As relações entre a antístrofe e o epodo são análogas, posto que não iguais. O epodo ao mesmo tempo que prolonga a antístrofe (?), liga, por cima dela, com a estrofe; e, ao fazer isto, completa o movimento ideativo posto na estrofe, que a antístrofe ao mesmo tempo prolongou e interrompeu. – É o movimento tese-antítese-síntese da dialéctica platónica. Foi a grande descoberta dos gregos na arte esta da estruturação.

O movimento do drama consiste em quatro tempos. Temos a preparação, onde se expõem e se delimitam os conceitos temáticos; o desenvolvimento deles; o clímax, ou auge, a que chegam; e, por fim, a queda, pela solução do conflito que se representou. – Na onda, também, podemos dividir o movimento nestes quatro tempos. – Primeiro a onda avança,

 

[25v]

 

recurva, e sobe para a sua crista; depois (2º tempo) curva em sentido contrário; a seguir (3º) move-se na curva oposta, que é já no sentido do primitivo movimento; por fim (4º, e último, tempo) estende-se no alastre final. Repare-se em como a estrutura de qualquer drama corresponde a esta classificação analítica dos tempos do ritmo do mar. – No 1º acto natural a situação é posta e esboçados os termos do conflito que vai desenvolver-se; tanto quanto é possível dizer-se de tal de uma coisa em movimento, há um elemento estático (porque na onda o há quase horizontal) neste acto. No 2º acto natural desenvolvem-se os elementos dados no 1º acto; e, enquanto no 1º se punham as situações de onde havia de nascer a possibilidade de conflito, no 2º determina-se a situação de onde o conflito há-de nascer. No 3º acto natural dá-se o conflito. No 4º resolve-se. O movimento rítmico do 3º acto natural e no sentido do do 1º, porque o conflito nele se dá, e na curva do 2º, porque desenvolve o seu movimento culminado.

 

Fica, desde já, compreendido porque é que o final dos poemas e das outras obras literárias da Grécia é calmo; porque o fim da onda, o seu espraiar-se está no mesmo nível que o princípio, e o princípio tem de ser calmo, porque é o princípio. O fim regressa ao nível do princípio.

 

O drama pode ser dividido em tantos actos, quantos se queira. Mas, naturalmente, tem quatro actos. Assim o ensina a intuição grega, filosoficamente desdobrada.

 

A epopeia, e toda a narrativa literária, baseia-se, não

 

[26r]

 

como a ode em três, ou o drama em quatro, tempos, mas em um movimento de cinco tempos, que é o mais largo em que se pode dividir o movimento da onda. Os movimentos são os quatro do drama, mas o cimo da onda, o ponto de passagem da curva no sentido inverso, para a curva no próprio sentido, da direcção da onda, é considerado como, também, um tempo do movimento. Assim, os cinco tempos do movimento épico são: (1) preparação, (2) desenvolvimento, (3) segunda preparação, (4) decisão, (5) fim. – Ocorrerá perguntar porque é que se chama decisão e clímax ao movimento recurvo da onda, quando se move já no sentido da sua direcção primeira, e se não chama – pelo menos nesta quíntupla divisão – o auge, ou o clímax, ao seu auge visível, que é quando a onda passa no seu ponto mais alto. É que – repare-se bem ­– em tudo isto se estuda o ritmo e não a altura; a altura da onda não entra na comparação, nem serve de base. É o seu ritmo apenas, e a sua altura só como serva do seu ritmo, que entram no problema. O auge da onda, em altura, é o seu ponto de máxima altura; mas o auge da onda, em ritmo, é o seu ponto de definitiva direcção. Esse ponto é quando, já sem retorno possível, se dirige para o ponto para onde a sua direcção a encaminhou.

 

É evidente que o que se diz aqui da ode, se aplica, na prosa, à obra que não contém narrativa, mas apenas impressão; que o que se diz aqui do drama, se aplica ao drama em prosa, como ao em verso; que o que se diz aqui da epopeia, e por implicação de qualquer poema narrativo, se supõe dito de, na prosa, a narrativa de qualquer espécie, seja conto, ou novela, ou romance extenso.[1]

 

[1] [26v]

7 July 1872

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/4280

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
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Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
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Historial

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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Teresa Rita Lopes (coord.), Pessoa Inédito, Lisboa, Livros Horizonte, 1993, pp. 387-388.
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