Imprimir

Medium

Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP/E3, 14-1 – 51-55
Imagem
[Sobre a nova poesia portuguesa]
PDF
Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
[Sobre a nova poesia portuguesa]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 141 – 51-55]

 

a

 

Vejamos agora, reportando-nos à nossa já feita divisão dos vários períodos em estádios, em que hora dos períodos temos de ir procurar esses poetas, esses filósofos que servem à nossa análise para nos revelar a alma da corrente. Verifica-se, sem dificuldade, que a estética de uma corrente fica determinada (é natural) quando, ao entrar no seu 2º estádio, ela atinge a sua capacidade máxima de expressão. É o estádio-Shakespeare no período inglês, e, no período francês, o estádio Hugo o poeta. E como, nesse mesmo estádio, ao atingir a capacidade máxima de expressão, ele inevitavelmente coatinge a máxima capacidade de ideação, o que da metafísica da corrente se encontra nos poetas da alvorada no segundo estádio da corrente literária. Claro está que quanto mais poetas houver pelo 2º estádio fora e tiver o estádio, tanto mais auxílio, especialista para a determinação da metafísica da corrente – que a estética deve ser deduzível da expressão uma vez chegando ao auge marcante pelo artista da corrente no seu estético segmento. É também {…}

 

 

[51v]

 

II.

 

Sabido que uma corrente literária é a expressão pela literatura de uma comum noção do mundo, da arte e da vida – posto de parte o que é individual, por individual precisamente –, o estádio psicológico de qualquer corrente envolve o destrinçar-lhe a alma na sua tripla unidade de atitudes. Que três aspectos não esses do seu espírito uno? O primeiro é a sua metafísica – isto é, o conceito do universo e das coisas que subjaz às manifestações desse conceito. O segundo é a sua estética – curando bem que por isto não se quer dizer as suas teorias de arte (essas pertencem, como parte das suas teorias das coisas, à sua metafísica), mas ao seu modo de ser literário, à sua alma literária. O terceiro é

 

[52r]

 

neste, segundo, estádio que os filósofos do tempo aparecem – do meio para o fim do estádio, nunca no seu princípio. – Quanto à sociologia da época, só a podem trair de algum modo os poetas do 2º para o 3º estádio, os filósofos e os tratadistas do mesmo período, e os acontecimentos. Os poetas do princípio do estádio segundo só a um raciocínio muito pacientemente perscrutador de obscuras intuições filosóficas poderá entresugerir uma ideia dessa poética realização social.

Como em anterior artigo mostrámos, a nova poesia portuguesa desde a Oração à Luz entrou no 2º estádio. Podemos portanto arrancar-lhe o segredo da sua estética, nitidamente; com menos nitidez, e aproximadamente, entrever a sua metafísica; e, para o estudo se não trunque, podemos dizer |a cor| das luzes vagas da sociologia ainda indecisas no horizonte da história.

 

III

------

 

[52v]

 

{…} a sua sociologia – isto quer dizer as teorias sociais que finalmente são a repercussão social, o final resultado prático da corrente social de que a corrente literária é (no caso dos períodos máximos) a interpretação quimérica – {…}

O método analítico a empregar cria ligeiramente conforme qual destes factos se investiga. Assim, no determinar a estética da corrente, a análise incide directamente sobre os poetas, porque esses, representando o máximo de emoção e de requinte de expressão, mais do que os pensadores, são representativos do momento-alma da raça e dos processos mentais que, fazendo arte, o representam. Ao inquirir da metafísica, a análise divide-se entre as obras de arte – destacando sempre os poetas – e as que dão expressão directamente e intencionalmente filosófica ao conceito-do-universo característico da corrente. Nos poetas este já, mas em estado de emocionação e de inconsciência, o conceito-do-universo característico da corrente; por isso sem auxílio do raciocí-

 

[53r]

 

nio da filosofia e dos filósofos, não se pode obter mais do que um |circunlóquio em matéria| metafísica, em penumbra de teorias-do-mundo. Igual nos seria ir pedir ao filósofo, exclusivamente, a alma metafísica do pensar. O filósofo nem sempre a dá. Dá parte, pertence-lhe – isso é inevitável.

-------|other paper| ----

3(a)

– Semelhante método tem de ser aplicado no estudo da sociologia da corrente. Aí temos que beber as três fontes: os resultados dos nossos poetas, as teorias sociológicas dos filósofos e aqueles que se acham contidas ou sejam deduzidas das obras dos poetas. Nas obras dos poetas vem geralmente a tendência, a aspiração, a perfeição nas dos filósofos: no método político, vemos a fusão do elemento intenção com o elemento realidade. Assim {…} 

 

Mas assim como cada poeta de uma corrente, ao destacar a sua individualidade, acrescenta-a no estilo geral da corrente, e, ispo facto, deduz desse estilo geral elementos que o acrescentamento da sua individualidade faz, por incompatíveis, desaparecer, assim também com o filósofo acontece, mas talvez mais, porque a obra do raciocínio é quase sempre mais individual do que a de emoção, por mais extensamente elaborada na consciência, por isso, e, depois, por mais alheada da alma colectiva, que apenas sente – se chegue a pensar, pensa emotiva ou imaginativa mas nunca raciocinadamente. #

 

[54r]

 

Um sistema metafísico é um temperamento expresso em raciocínios; e assim como as palavras podem falhar à ideia, o raciocínio pode reproduzir incompletamente um temperamento. Geralmente quanto mais a tal época, mais a filosofia se casa com {…}

Bacon é muito mais filósofo-representativo do isabelianismo, do que outro da época do romantismo fez.

 

# Individualizando a corrente o filósofo (como parte) limita-a; ela é sempre mais vasta do que ele; pode às vezes incluí-lo a ele e a um contrário, como, no caso da corrente grega, de Platão e Aristóteles. E bem mais.

 

[55r]

 

O segundo período é exclusivamente poesia da alma; é exclusivamente subjectivo. A nossa nova poesia é subjectiva e objectiva: é poesia da alma da natureza.

 

A religiosidade do simbolismo não é um resultado da sua estética e da sua alma: é um sintoma claro da sua natureza degenerativa, porque o seu religiosismo é católico, e o religiosismo, se tiver religiosidade teria uma religiosidade nova.

Notas de edição

Apontamentos manuscritos preparatórios do testemunho impresso publicado por Fernando Pessoa com o título: «A Nova Poesia Portuguesa no seu Aspecto Psicológico», in A Águia, 2ª série, nos 9, 11, 12, Porto, Setembro, Novembro, Dezembro de 1912, pp. 86-94, 153-157, 188-192.

Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/4239

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
Notas à data
Datas relacionadas
Dedicatário
Destinatário
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

Palavras chave

Locais
Palavras chave
Nomes relacionados

Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Exposições
Itens relacionados
Bloco de notas