Identificação
[BNP/E3, 141 – 43-43a]
O estilo que compete aos assuntos de raciocínio e de exposição não é da mesma ordem que o que naturalmente se ajusta a matéria puramente literária. Digo, não só que não deve ser, senão que de facto não é.
O raciocinador ou o expositor, concentrado na clareza do raciocínio ou na perspicuidade da exposição, afasta de si instintivamente todo excesso de metáforas e de imagens quando não de todas e quaisquer figuras de retórica. O seu vocabulário é pobre e simples, nem sabe dessa pobreza ou simplicidade senão quando o termo rico ou erudito se torna necessário, ou para dar mais precisão a uma ideia, ou para evitar o emprego de mais
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palavras, sendo que em todo discurso, e inversamente ao expositivo, o interesse de empregar o menor número possível de vozes sobre[1] todas as outras prevalece[2]. Como a ideia, desejada ou exposta, é o fundamento do discurso expositivo, é pelo ritmo das ideias e só esse que o expositor naturalmente se guia.
A quem escreva ou pretenda escrever, com preocupações simultâneas de expor e de ser “artista”, ou de expor e ostentar riqueza de propriedade ou de expressão, sucede o que sucede a todos que tentam dar, num só momento, atenção a duas coisas diversas.[3] Re-
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sulta o que podemos chamar uma síntese negativa, e a perspicuidade sofre[4] com o que a arte não ganha.
Outro é o critério estilístico quando se pretende fazer prosa “de arte”; aí é igual ao de quando se escreve verso, segue-a não o ritmo das ideias, mas o das palavras, e neste colaboram as imagens, as metáforas, e as mesmas ideias, não como ideias, mas como elementos de sugestão.
Onde o expositor pretende ensinar, pretende o artista sugerir. O primeiro se dirige directamente ao entendimento; o segundo, sim, também ao entendimento, porém através da imaginação.
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Compare-se a riqueza de vocabulário de Camilo e de Aquilino, ou ainda, em outra forma de Fialho – todos eles enfáticos, mas todos incapazes de raciocínio coerente –, como, quando mais não seja, a |*pretensão| de |*ser| de Antero filósofo (e até poeta).
Repare-se como Ricardo Jorge enquanto teórico de ciência, frequentemente perde o fio ao pensamento e à exposição por dela se ter desviado por escrúpulos estranhos de vocabulário e de propriedade[5].
[1] sobre /a\
[2] prevalece /se antepõe\
[3] This does not matter at all.
[4] sofre /perde\
[5] propriedade. /purismo\