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Fundo
Fernando Pessoa
Cota
BNP/E3, 14-1 – 5
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[Carta ao Director de “O Heraldo”]
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Autor
Fernando Pessoa

Identificação

Titulo
[Carta ao Director de “O Heraldo”]
Titulos atríbuidos
Edição / Descrição geral

[BNP/E3, 141 – 5]

 

Exmo. Senhor Director de “O Heraldo”,

Faro.

 

Ao pedido de V. Exa., de que exponha quais são, a meu ver, as correntes e as direcções na literatura contemporânea, vou responder com a clareza que o assunto exige, conjugada com a concisão a que a natureza do inquérito necessariamente obriga.

A arte – e, adentro da arte, a literatura supremamente, por ser a arte intelectual – visa a dois fins e deve a sua existência a duas acções. Ao mesmo tempo que interpreta uma época, reage contra ela. Interpreta-a, pelo simples facto de ser dela, de existir nela, e, ainda, pela circunstância especial de ser um fenómeno intelectual e o papel da inteligência ser o de interpretar o conjunto de paixões e de emoções que formam o temperamento, individual ou social. Reage contra ela pelo facto de ser um fenómeno aristocrático, de ser um fenómeno intelectual, e de ser um fenómeno {…}. A inteligência tem um papel de simultaneamente expressora dos instintos e inibidora deles. Assim a arte (e sobretudo a literatura) expressão intelectual das sociedades, tem o fim de ao mesmo tempo exprimir as suas tendências ocultas e de as contrariar ordenando-as.

Se conseguirmos determinar quais sejam, na sua vera essência, as tendências da civilização contemporânea, poderemos determinar quais devem ser as correntes literárias supremas, vitoriosas, nela; o que faremos pelo processo lógico simples de delinear um feitio literário que ao mesmo tempo interprete e contrarie a direcção social da vida contemporânea.

Ora a vida contemporânea define-se por dois grandes fenómenos, que especialmente a distinguem da vida social de séculos anteriores, e que, por a distinguirem especialmente da vida social dos séculos anteriores, precisamente a definem e a exprimem. Esses dois fenómenos são o internacionalismo e o predomínio da ciência. Estão ligados, é claro, como não podia deixar de ser, mas são dois fenómenos que o analisador separa com justiça. O internacionalismo – que setenta guerras como a presente, com a sua estimulação de nacionalismos, não poderiam entravar – deriva da extensão do comércio, da multiplicação de indústrias, da facilidade excessiva de comunicações, do aumento de conhecimentos interlinguísticos, de todas as interacções resultantes que radicam a vida cosmopolita como característica da nossa época. Por outro lado, o que define a atitude intelectual da época, mau grado reacções secundárias, é a ideação científica, quer pura, quer aplicada. As próprias reacções religiosas e filosóficas buscam pontos de apoio na ciência, ou então procuram diminuir o valor da ciência – o que implica, em qualquer dos

 

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casos, por apoio ou negação – a preocupação científica.

Se, pois, a literatura ao mesmo tempo exprime e contraria os característicos da época, a literatura realmente expressiva – e portanto eterna, pois que a fotografia da época – do nosso tempo será aquela que ao mesmo tempo exprima estes dois característicos e os contrarie. Literatura, portanto, essa que seja cosmopolita e científica nos seus intuitos, e nacionalista e anticientífica também. Há fórmula alguma que consiga reunir esses característicos opostos? Há como em todos os tempos foi papel da literatura reunir característicos opostos.

Detalhemos.

O cosmopolitismo expressa-se em literatura não pela preocupação cosmopolita (isso não seria uma expressão, mas uma explicação), mas pela admissão adentro do âmbito literário de todas as formas de sensações, de todos os feitios de literatura. Isto é, o cosmopolitismo, fenómeno que se dá no espaço, é representado por um fenómeno literário que se dá no tempo: a escola literária que queira representar a nossa época, tem de ser aquela que procure realizar o ideal de todos os tempos, de ser a síntese viva das épocas passadas todas. Ora as épocas passadas, para nós, são simplesmente duas: o classicismo, onde a expressão é do universal e do abstracto, e o “romantismo” (péssimo nome, mas fixo) em que a expressão é do pessoal e do concreto. A arte moderna deve, portanto, buscar exprimir ao mesmo tempo o universal e o pessoal, o abstracto e o concreto.

A maneira de o fazer? Sendo difícil na realidade, porque é preciso estar nas emoções e não nas teorias para ser feita, não é impossível dar uma noção do que seja. Há três maneiras de simultaneamente dar o universal e o pessoal, o abstracto e o concreto. Há 1º a justaposição, 2º a fusão, 3º a intersecção. No primeiro processo busca-se simplesmente equilibrar uma coisa pela outra: é o processo mais difícil, e que, ao que me consta, ninguém ainda hoje, em qualquer país que seja, teve fôlego e estofo para realizar. O equilíbrio e a disciplina – mau grado ser o cri de guerre dos desorientados e indisciplinados discípulos de Maurras – não é precisamente o forte da nossa triste época, tão deslavadamente inferior. – A fusão implica um processo romântico levado até ao fim: aprofundar o sentimento individual até encontrar a sua essência metafísica, por onde ele se universalize. – A intersecção.

 

O primeiro processo é um enriquecimento do classicismo; o segundo uma classificação do romantismo; o terceiro um endurecimento do simbolismo. Pela tripla via assim chegamos ao mesmo fim – o sensacionismo.

 

Notas de edição
Identificador
https://modernismo.pt/index.php/arquivo-almada-negreiros/details/33/4201

Classificação

Categoria
Literatura
Subcategoria

Dados Físicos

Descrição Material
Dimensões
Legendas

Dados de produção

Data
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Dedicatário
Destinatário
Idioma
Português

Dados de conservação

Local de conservação
Biblioteca Nacional de Portugal
Estado de conservação
Entidade detentora
Historial

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Documentação Associada

Bibliografia
Publicações
Teresa Rita Lopes, Pessoa por Conhecer, Tomo I, Lisboa, Editorial Estampa, 1990, pp. 122-123.
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