[BNP/E3, 14C – 62-63]
António Correia de Oliveira
A maior[1] parte dos abundantes erros que comete o Sr. Correia de Oliveira vem dele querer escrever sem inspiração. Estamos convencidos que são os versos trabalhados, os versos que têm de ser encontrados para a rima, os versos que têm de encher que tão maus, tão frouxos, tão insuportáveis saem. Mais certos ainda estamos que aquelas composições inteiras onde o disparate é pegado, essencial, orgânico, por assim dizer, são aquelas que o Sr. Correia de Oliveira quis escrever sem sentir o mais leve movimento interior que a isso o compelisse – a mais leve inspiração, para falar mais vulgarmente. Tomemos por exemplo os dois maiores disparates em verso que o Sr. António Correia de Oliveira tem perpetrado: os Sonetos “Carta” e “{…}” (págs. {…} e {…} de “Raiz”)
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Estes – os piores que ele tem escrito – ele ou qualquer outra pessoa – são mais que evidentemente escritos voluntariamente sem inspiração; com efeito, o facto de não haver uma ideia que os atravesse, sendo apenas compostos de frases desconexas, prova suficientemente que não provêem de uma inspiração mas apenas de uma vontade de os escrever. O seu autor não tinha uma ideia ao escrevê-los; escreveu um verso e continuou. Fez o que se está vendo nas referidas figuras de “Raiz”.
A razão disto é simples. Vem confirmar o que dissemos. O Sr. António Correia de Oliveira é um poeta de instinto. Quando sai do instinto escreve asneiras. Os poetas de instinto só devem escrever quando inspirados. O seu inconsciente é seguro; o seu consciente fraco e mórbido. É por isso que o Sr. António Correia de Oliveira acompanha aqueles disparates que mencionáramos com versos que fariam Nordau incluir o seu autor entre {…}
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Por exemplo:
Trespassa etc.
Isto tem um nome na psiquiatria. Chama-se-lhe ecolalia. Ninguém haverá, cremos, que não ache que aquela palavra passa está mal no seu lugar; que deixa é que devia ser. Mas está passa porque está trespassa; o som duma chama a outra; não há ideia alguma – ecolalia pura.
De facto, a abundância de maus versos que tem os livros do Sr. António Correia de Oliveira vem disto: que ninguém pode ser poeta de instinto completamente: um, dois, três, quatro versos podem vir espontaneamente, mas – a não ser que se sonhe uma poesia completa, versos e tudo – como aconteceu a Coleridge com o “Kubla Khan” |e a Goethe com vários poemas|, o consciente tem que ajudar o inconsciente, a vontade tem que ajudar a inspiração. Ou como no Sr. António Correia de Oliveira a vontade, a inteligência consciente é débil e torturada daí vem que abundam versos maus nas suas poesias, não tendo ele por isso |alguns| sem senão, a
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não ser uma quadra ou outra (porque é curta) que estes defeitos se mostram especialmente na proporção directa à[2] extensão da poesia, que se encontra mais especialmente, mas visionariamente em poesias onde se quer pensar.
Nada mais íntimo que a incapacidade do Sr. António Correia de Oliveira em seguir uma ideia. Não há poesia sua que tenha uma ideia de princípio ao fim e isto, que é um defeito quase sempre (a não ser que a poesia seja realmente uma série de descrições ou de {…} como os “Phares” de Baudelaire), é um crime no soneto, porque o soneto foi criado[3] para o desenvolvimento de uma ideia, de um sentimento, de uma emoção – de uma só. Sonetos parnasianos são uma barbaridade. Quem não quiser usar de sonetos não use; o que não deve é usá-lo para fins para que ele não serve. Sonetos descritivos – há maior asneira? Mas isto não importa. É uma digressão. Voltemos ao sr. Correia de Oliveira.
[1] A maior /Grande\
[2] proporção /razão\ directa à /da\
[3] foi criado /é destinado\